Corro o risco de fazer uma simplificação. Mas a causa é nobre, e nobre continuará a ser pelos séculos vindouros. Refiro-me ao papel da Educação. E aqui vou reunir, como verão, os exemplos de São Paulo e dos Estados Unidos, cada um, a seu modo, rico, desenvolvido e educado. É claro que a Educação, por si só, não basta para produzir prosperidade; por outro lado, sem ela, fica faltando o ingrediente essencial, o insumo sem o qual não há excelência ou progresso na vida em sociedade. Tanto em São Paulo quanto nos Estados Unidos, é ela, a Educação, que está na raiz do florescimento das duas nações [sic].
É por vezes numa discreta referência às origens que vamos encontrar a explicação que ilumina, a clareira que aquece o entendimento e permite compreender os caminhos que foram tomados. Pois bem, em seu incontornável e alentado “O livro no Brasil: sua história”, uma obra que todo editor, assim como todos os interessados no tema, têm obrigação de conhecer, Laurence Hallewell traz uma informação que, ao iluminar um tópico talvez negligenciado, nos enche de orgulho e ao mesmo tempo de tristeza. Registra ele que
São Paulo foi suficientemente progressista para tornar o ensino primário obrigatório apenas quatro anos depois da Inglaterra, pela Lei Rodrigues Alves, de 2 de fevereiro de 1874. Nenhuma outra província seguiu-lhe o exemplo, e o projeto de lei apresentado ao Congresso, em abril de 1879, tornando compulsória a educação na capital do País, não conseguiu aprovação.
O resto do Brasil, só com a implantação da República, daria tímidos passos rumo a uma instrução pública básica, copiando, ou tentando imitar, como se sabe, o modelo norte-americano… Todavia, essa instrução não foi de fato, durante muito tempo, uma prioridade nacional. O bravo Castro Alves bradava no deserto seus versos hoje famosos: “Oh bendito o que semeia / Livros à mão cheia / E manda o povo pensar!/ O livro, caindo n’alma / É germe — que faz a palma, / É chuva — que faz o mar!…” A realidade nada tinha do idealismo do poeta: éramos um país de analfabetos.
Enfim, é de pasmar, ainda que emblemático de toda uma época da história brasileira, que o nosso parlamento, no coração da própria capital federal, o Rio de Janeiro, não tenha conseguido aprovar um projeto como a Lei Rodrigues Alves, ratificando um conservadorismo tão elitista quanto danoso ao País. Em termos de Educação, São Paulo saíra na frente, e isso, como bem nota a ênfase do autor inglês, “apenas quatro anos depois da Inglaterra”!…
Educação na raiz, ou na veia, como se diz popularmente — foi assim que São Paulo soube escolher o progresso e fazer seu futuro.
No caso dos Estados Unidos, não custa lembrar, a Educação estava lá desde o começo. Desde as origens do país, ela fora plantada pelo espírito religioso protestante e deitara raízes por todo o vasto território nacional. Quem o diz não sou eu, mas o arguto Alexis de Tocqueville no seu clássico “A democracia na América”. Estudando e observando “in loco” o povo americano, o genial francês anotou:
Mas é nas prescrições relativas à educação pública que, desde o princípio, se vê surgir à mais pura luz o caráter original da civilização americana. “Visto — diz a lei — que um dos principais projetos desse antigo mistificador Satanás é manter os homens privados do conhecimento das Escrituras, persuadindo-os a não usar as línguas, e a fim de que a sabedoria não fique enterrada nos túmulos de nossos pais, na Igreja e na comunidade […]” Seguem-se disposições que criam escolas em todas as comunas e obrigam os habitantes, sob pena de pesadas multas, a encarregar-se do seu sustento. Nos distritos mais populosos, são, pela mesma forma, fundadas escolas superiores. Os magistrados municipais devem cuidar para que os pais enviem seus filhos às escolas; têm o direito de impor multas contra aqueles que se recusam […] na América é a religião que conduz ao saber. […] Lá a instrução primária acha-se ao alcance de todos.
Com perdão pela longa dimensão do trecho citado, que por si mesmo se comenta, concluo sem concluir, pois seria dizer o óbvio e quem sabe cometer uma temeridade: a do diletante e do simples leitor num campo que requer profissionalismo e erudição técnica. Meu intento foi tão somente apontar dois casos, cada um com suas condicionantes históricas e sociais, em que a Educação é, sem trocadilho, um bem de raiz e, naturalmente, a raiz de muitos bens.
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