Segundo o dicionário, deboche tem vários sinônimos: troça, zombaria, gozação, escárnio, mofa, sarcasmo, desprezo, debique, desconsideração, chufa, flauteio, chasco, dictério. De minha parte, gosto dos irreverentes, dos arteiros e dos destemidos. Mas não aplaudo o anfitrião debochado. Isso dito, foi deplorável, na forma e no conteúdo, o tratamento que Diogo Mainardi dispensou ao advogado Kakay, convidado a participar do Manhattan Connection. Viciado na provocação chula, viga-mestra de sua persona televisiva, parece que a mudança de emissora liberou-o para expor o pior de si. Despido do verniz da Globo, aflorou o suburbano, o arrogante, o demolidor de reputações.
Entrevistar é como comentar, isto é, requer um mínimo de arte. Uns a têm e outros não. Uns conseguem ser grossos com um simples bom dia. Outros são adoráveis mesmo quando desconstroem um argumento e desmontam uma farsa diante do vilão que a urdiu. Tem gente que não sabe entrevistar. Lembro de William Bonner nas últimas eleições presidenciais. Todo candidato que comparecia perante a bancada, saía do Jornal Nacional maior do que tinha entrado. Inclusive o mais infame deles todos. Isso porque a agressividade do entrevistador permitia ao convidado se safar como vítima. O mesmo valeu para o Roda Viva, onde o capitão brilhou em cima da estultice dos espertalhões contundentes.
Mainardi… Penso que as perdas para a alma narcísica nem sempre são contabilizadas devidamente. Diogo não se dá conta delas e certamente se recusa a atribuí-las a si. É mais fácil para ele, quase prazeroso, hipotecá-las aos outros. Fulano é que não tinha alcance para entendê-lo, daí ele ter espezinhado sua burrice. Beltrano era primitivo para perceber que ele não queria ofendê-lo, apenas chamá-lo de ladrão. Acho que, em casos graves como o dele, nem quando leva uma cipoada forte, cai a ficha de que incorreu em abuso, em flagrante húbris. Importante é reluzir pela policromia da inteligência e alimentar-se de suas obsessões: Lula, Olavo de Carvalho, Moro – mitos fundadores da invenção de si mesmo.
Diogo Mainardi lembra um aprendiz de Dr. Jairinho, ressalvadas as proporções. Não é todo mundo que tem o charme de Roberto d´Ávila. Veja-se Jô Soares. Dono de um repertório descomunal, fidalgo de alma, não era sempre que deixava o convidado falar. Quantas vezes não o vi despejar um caminhão de verdades e pedir, em contrapartida, que a pobre convidada apenas confirmasse o que ele estava dizendo? Acontece. Embora sujeito a derrapadas, Pedro Bial tem tudo para ocupar o alto desse firmamento. Tem a dose certa de maturidade para ser contundente sem perder a ternura. Além de ter modos, embora os tenha perdido, não por coincidência, ao conversar com o velho pessoal do novo Manhattan Connection. Por que será?
Pelo pouco que vi do programa, deu para discernir um novo tom, quase outra dinâmica. Se os integrantes da velha bancada permanecem fiéis a seu estilo a despeito da pandemia, tanto melhor. Falo de Pedro Andrade e Caio Blinder. Seja como for, Lucas Mendes está deslocado no novo formato e alguma coisa se perdeu na hábil alquimia que comandava. A posição enviesada da cadeira lhe tirou o comando. Mas o grande problema, no meu entender, vem sendo a voz de Veneza. Todos que ele tentou acuar terminaram crescendo diante da audiência por conta do transbordamento gratuito de pura bile, de puro fel: Carlos Ghosn e Kakay que o digam. E, pasmem, até Guilherme Boulos. Temi que sobrasse para Tasso Jereissati, mas aí Diogo foi só laudatório.
Desbocado e debochado, é imensa a sorte de Minardi de viver numa bolha virtual cercada de canais. Tenho dificuldade em vê-lo viver num grande centro urbano do Brasil. Se ele acha que isso é imitar Paulo Francis, está bem enganado. Ninguém quer que ele seja um querubim, um acomodador do contraditório. Onde estaria a graça? Mas daí a fazer profissão de fé de canalha, vai uma boa distância. Na contenda com Kakay, um hábil e articulado polemista, era evidente que ele estava levando a pior. O que fez Mainardi? Saiu-se com uma expressão chula, como se estivesse numa sinuca cheirando a torresmo vencido. Não duvido que ele vá dizer que o vafancullo de sua terra de adoção é quase social. Diante da estocada que levou, Diogo se revelou um sore loser. Não gostei.
Oi, Fernando!
Sempre um prazer, lê-lo.
Quem nasceu para Diogo, nunca será Francis.
Entre outras coisas porque Francis, “persona” à parte, amava marchinhas de carnaval!
Além de ter escrito, há muito tempo, um lindo livro de amor ao Brasil, “O Afeto que se Encerra”, afeto que também já tive…
Abração,
Luciano Oliveira
Obrigado, Luciano.
Passa mesmo da hora de Mainardi se mancar.
Esse tipo de linguagem e de modos é mais comum do que imaginamos em certos círculos paulistanos.
Inclusive os cultos, os lidos, os ilustrados.
Ele ficou do tamanho de uma taturana diante da verve de um mais esperto do que ele.
Deu pena, mas teve o lado pedagógico.
Aliás, nem sei se o Moro continua como colunista do Antagonista.
Tenho ojeriza à política brasileira desses tempos. Meus padrões não a reconhecem.
Abraço,
Fernando