Gustave Doré – Enigma (1871) Decifra-me ou te devoro.

 

Jair Bolsonaro não é presidente do Brasil. Ele é chefe de uma seita. Que enfrenta o politicamente correto.

Jair Bolsonaro desenvolve uma estratégia baseada na desconstrução do macro. O que é o macro ? São as instituições. O Supremo Tribunal Federal. O Congresso. Políticas de avanço social. De preservação de florestas.

Tudo que foi arduamente construído. Em quinhentos anos de erros e acertos. Imperiais e republicanos. E que representa o estabelecido.

Para isso, ele utiliza ferramentas micro. Quem são os micros ? São indivíduos que querem manter sua liberdade numa órbita inexpugnável. Que exerce uma parcela de poder absoluto. O dono da mercearia. O pastor. O marido. O militar. O policial rodoviário. O transportador de carga. O entregador delivery.  Todo aquele que atua numa esfera pessoal de autonomia. E se vê, de repente, obstruído por um Estado fiscalista, famélico.

O Estado, a que se opõe o apoiador bolsonarista, sustenta valores impensáveis: são comunistas, gays, lésbicas, jornalistas de grandes redes, globalistas, imprensa. São pessoas que se desviam de padrão rígido. Fixado em estatuto de ortodoxia religiosa. E peculiar código de honra.

Para alicerçar esse discurso, Bolsonaro usa comunicação direta, sem intermediários, pessoa a pessoa, via redes sociais. Em linguagem corrente, usual, sem sofisticação. Às vezes desabrida, como é do gosto popular.

A linguagem está pautada em repertório calibrado. Com assertividade para atingir o avanço social. Com violência para adular o machismo. Com tom hierárquico para alimentar o senso militar. Com isenção de impostos para cultivar as igrejas. Com palavrões para se nivelar aos mal-educados.

Uma nova política ? Sim, contra a ciência, contra a filosofia, contra a universidade, contra o meio ambiente, contra a velha política. A velha política ? E o acordo com o centrão ? Mero instrumento para alcançar objetivo final. E o orçamento paralelo, inspirado nos anões, carbono do mensalão ?

O discurso tem forma e conteúdo. A forma é a linguagem solta, apropriada aos menos informados, à maioria desinstruída, aos machistas, aos primários. Gerando uma identidade genuína e escabrosa. O conteúdo é oposicionista. Contra. O que está aí. A corrupção. O crime. Os engravatados. O politicamente correto. A democracia. A liberdade de imprensa.

Mas, então é oposição ? Sim, mas só até a metade. Metade governo, metade oposição. Governo para nomear. Oposição para atacar.

O fato é que Bolsonaro acertou o ponto do bolo. De um certo tipo de bolo. Esconso, é verdade. Ancorado no extremismo de direita. Anti-institucional. Contra democrático. No entanto, acertou. Mas tem errado tanto, com seus negacionistas, ilusionistas, que começa a perder percentuais de popularidade.

O outro fato é que os pré candidatos do centro são anódinos, inodoros. Não apresentam sabor, nem acentuam nada que desperte interesse na massa. Dória tem ar compenetrado de paulista bem passado. Luciano Huck tem jeito blasé de bom samaritano. Ciro Gomes carrega indignação que não possui o charme de Brizola. Nem a doçura tropical de Darcy Ribeiro. Aliás, a massa, no século 21, é diferente. Não é mais o operário sindicalizado, carteira assinada e uniforme. Agora, são autônomos, semi empregados, entregadores. Uma economia informal e desesperançada. Atenta apenas aos acenos radicais do não presidente.

O que resta ? Luis Inácio Lula da Silva. Um senhor de setenta a tantos anos. Novinho em folha. Reabilitado pelos togados. Mais experiente e menos sonhador. Mais concreto e menos inspirador. Com um desfalque: o operariado metalúrgico de São Bernardo não existe mais. O cenário é outro. Mais fragmentado. Falta ajustar o discurso.