Quando alguém diz que vai votar em Lula no segundo turno das eleições presidenciais, está assumindo que o primeiro turno já está definido e, portanto, para derrotar Bolsonaro, está decidido a apostar no ex-presidente. Esta afirmação tem um impacto no presente e termina funcionando como um cenário autorrealizável: desestimula as negociações em torno de uma candidatura alternativa, contribuindo para um primeiro turno já altamente polarizado. Quando este alguém é o intelectual e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, além de declarar voto num eventual segundo turno, tira foto saudando o candidato Lula, o resultado é altamente desanimador para os grupos e as tendências políticas que ainda se movem para evitar a repetição do confronto de 2018. Qual a mensagem? “Desistam! Eu já desisti”.
Interpretar este encontro dos dois ex-presidentes como simbólico, um simples e belo gesto de respeito e tolerância política de adversários nesses tempos de guerra, é uma grande ingenuidade. Nenhum dos dois é ingênuo. Lula não adiantou nada em relação ao seu interlocutor, enquanto FHC afirmou que votará no petista num segundo turno porque, afinal, “quem não tem cão, caça com gato”. Os dois mostram civilidade, é verdade, fato importante neste momento político do Brasil. Mas com sinais bem diferentes, porque Fernando Henrique é apenas um intelectual com atuação política, e Lula é um candidato à presidência da República atrás de apoio e de voto. O encontro enriquece a biografia política de Fernando Henrique – apenas isto – às custas das forças políticas que se empenham na construção de uma alternativa eleitoral, ao mesmo tempo em que pavimenta o terreno de Lula para a movimentação política e eleitoral, esvaziando o polo democrático. Tudo o que Lula precisava neste momento.
Não bastassem as pesquisas, a declaração de voto de FHC, e seu efeito desmobilizador do polo democrático, podem ter um impacto imediato no eleitorado que se divide pela rejeição aos dois candidatos na liderança das pesquisas. Parte dos anti-bolsonaristas, desistindo cedo de eventuais alternativas à polarização, migrariam para Lula, acompanhando Fernando Henrique na busca de um “gato”. No outro lado, parte dos anti-lulistas raivosos, percebendo que não teria um nome sério e viável para enfrentar o atual presidente, pode até insistir na estupidez, mesmo que não suporte as posições e as medidas de Bolsonaro. Assim, querendo ou não, Fernando Henrique ajuda a confirmar o cenário que ele imaginou, quando declarou voto a Lula no segundo turno.
O encontro político entre os dois ex-presidentes poderia ter uma conotação muito diferente e positiva, se fosse utilizado para discutir a formação de um projeto político e eleitoral para derrotar Bolsonaro e, mais do que isso, para compor um governo amplo de coalisão a partir de 2023. O acordo político também para garantir a realização de eleições limpas e seguras, impedindo uma provável tentativa golpista do presidente, se derrotado. Tal entendimento político entre os ex-presidentes até que poderia ter Lula como cabeça da chapa (considerando que ele tem a melhor posição nas pesquisas, mas também maior rejeição do eleitorado), mas teria que ser a base para um governo de coalisão, e não apenas uma frente eleitoral: um governo comprometido com alguns princípios básicos aceitos por todos, como a consolidação da democracia, a defesa dos valores civilizatórios e o desarmamento das armadilhas bolsonaristas, a recuperação da economia com equilíbrio fiscal, o enfrentamento das causas estruturais das desigualdades sociais e a repressão às atividades predatórias que estão destruindo a Amazônia e ameaçando as populações indígenas. As divergências de fundo, mais em relação aos meios que aos fins, seriam adiadas para as eleições de 2026, com a nação recomposta e sem a ameaça do bolsonarismo.
Oi, Sérgio!
Pois é, rapaz, eu também gostaria de uma alternativa àquele horror de 2018.
Meu candidato é Flávio Dino, governador do Maranhão, mas ele nem aparece no radar das pesquisas…
Como diz um ditado chinês que Hannah Arendt gostava de citar, “é uma maldição viver tempos interessantes”.
Abração,
Luciano
Pelo menos 50% dos brasileiros estão ansiosos pela 3ª via: aqueles que não querem votar nem Bolsonaro nem Lula. Mas a 3ª via tem que ser mais que isso, tem que ser essencialmente uma aliança pela democracia contra os arroubos ditatoriais de Bolsonaro. Eu costumo concordar com a análise política de Sérgio Buarque . Mas não consigo acreditar que FHC tenha caído por vaidade numa armadilha de Nelson Jobim. Será? Eu prefiro acreditar que FHC está fazendo um alerta para a paralisia dos partidos e n candidatos da 3ª via, alerta para a indefinição, está avisando que esperar até 2022 para definir o candidato será tarde demais. Julgo pelas datas. O almoço na casa de Jobim teria sido 12 de maio, o mesmo dia em que saíram os resultados da pesquisa DataFolha, que indica que, naquele momento, a 3ª via de fato ainda não tinha cara, literalmente. Sequer consensos básicos. Acho impossível que FHC não tenha enxergado esses números: Doria, o mais visível candidato do PSDB, governador do estado mais rico do país, em campanha há anos, que ainda não abre mão de ser candidato, o governador sem o qual não teríamos sequer as poucas vacinas anti-Covid que temos, tem pouco mais de intenção de voto que alguém lá do fundão do Brasil do agronegócio que só muito recentemente começou a ser mencionado como possível candidato. Não acredito que FHC, ao dizer que vota em qualquer candidato anti-Bolsonaro (inclusive Lula), tenha enfraquecido a 3ª via. Deu uma sacudida, isso sim. Vejam como estava a 3ª via em alguns resultados de 12 de maio. Não dá para dizer que foi FHC que a enfraqueceu, ela ainda está por ser construída. Os dados são alarmantes porque mostram que, para construir a 3ª via não dá para esperar o 2º turno, pois como está, dispersa, não chega ao 2º turno.
Pesquisa estimulada de intenções de voto no 1º turno
Lula (PT) 41%
Jair Bolsonaro (sem partido) 23%
Sergio Moro (sem partido) 7%
Ciro Gomes (PDT) 6%
Luciano Huck (sem partido) 4%
João Doria (PSDB) 3%
Luiz Henrique Mandetta (DEM) 2%
João Amoêdo (Novo) 2%
Brancos/nulo/nenhum 9%
Não sabe 4%
Pesquisa espontânea de intenções de voto no 1º turno
Lula (PT) 21%
Jair Bolsonaro (sem partido) 17%
Ciro Gomes (PDT) 1%
Outros 2%
Brancos/nulo/nenhum 8%
Não sabe 49%
Helga. Eu sei que pensamos muito parecido, pela minha leitura dos seus artigos (mais aprendizado até que concordância) e pelos seus comentários aos meus artigos que me alegram e fortalecem minhas ideias. Mas algumas discordâncias entre os que tem, como nós dois, uma matriz de análise semelhante, são muito positivas por nos fazer repensar as próprias ideias e melhorar na compreensão da realidade. No que diz respeito a este artigo, contudo, seus comentários, muito bem-vindos, não modificaram minha interpretação de que Fernando Henrique cometeu um erro político numa atitude isolada de uma figura de grande peso e influência na sociedade. Eu tenho a desconfiança (hipótese) de que esta distribuição de intenção de votos que você publicou no comentário vai caminhar para uma maior concentração em Lula e Bolsonaro nas próximas pesquisas, pela migração de votos antecipados que analiso no artigo. Não apenas por conta de Fernando Henrique mas ele tem uma parcela de responsabilidade em detonar os movimentos, já tão difíceis, de construção de uma alternativa à polarização. Assim, parte dos 24% que apontaram os candidatos fora da polarização e os 9% que apontaram nulo ou branco, podem se deslocar para os dois polos, não apenas para Lula mas também podendo aumentar o percentual de Bolsonaro pelos anti-petistas mais radicais que gostariam de ter uma alternativa que parece mais difícil depois das declarações de Fernando Henrique. Não sei se estou exagerando a importância do evento, até espero estar errado. Grande abraço, Sérgio
Os gestos na construção de uma frente política vão muito além do cálculo eleitoral . A história está cheia de exemplos de desastres eleitorais por falta de gestos dessa natureza que perdem a oportunidade de passar para o eleitor o que é estratégico e prioritário em cada conjuntura . Exemplos não faltam na história. Mas tomando o polemico almoço de FHC/Lula o artigo se limita a enfatizar a provável capitulação de FHC ao caudilho do PT. Deixa de ver que o conceituado intelectual e presidente de honra do PSDB poderia estar tentando sacudir a pasmaceira do seu Partido que não consegue unidade interna para se apresentar eleitoralmente e nem apresenta propostas concretas que possam aglutinar as chamadas tendências de Centro. Como já dizia Fernando Henrique no inicio do ano de 2018, a viabilidade eleitoral não é a que está na nossa cabeça , mas a que consegue cativar a população .
Arlindo, acho muito generosa a sua interpretação de que Fernando Henrique se encontrou com Lula e afirmou que votaria nele no segundo turno com a intenção de provocar uma reação do seu partido e dos outros partidos e potenciais candidatos do polo democrático, “sair da pasmaceira”. Se entendi bem, ele teria refletido, como o grande sociólogo, e decidido dar um impulso num dos lados da polarização para estimular a formação de uma frente contra a polarização. Me parece um grande paradoxo.
Peço desculpas para fazer uma brincadeira com uma imagem futebolística. O time dele entra em campo meio desanimado e disperso para disputar uma semifinal com um adversário muito forte. O capitão (FHC) vai ficando irritado, ninguém passa a bola, quando tentam uma assistência, erram o passe, lá na frente ele quase não recebe a bola. O desânimo e o individualismo crescem na medida em que o adversário controla o jogo e, principalmente, depois que bota duas bolas na trave. O capitão, muito experiente e com boa formação psicológica, decide dar uma porrada no seu time para despertar a confiança, dar um sentido de equipe e promover uma reanimação. Sua psicologia diz que não adianta reclamar, gritar, protestar, organizar. Tem que bater para o time reagir. Então, ele pega a bola, corre na direção da sua própria barra, os seus companheiros não entendem, mas deixam ele passar, e os adversários apenas acompanham com o olhar. FHC avança, chega na frente do seu goleiro observa, esperando que ele recupere a consciência. Ele passa pelo goleiro e entra no gol com bola e tudo. O adversário, que já é mais forte e controla o jogo, passa à frente no placar.
O capitão recolhe a bola no fundo das redes e volta para o centro. No caminho, sorrindo, FHC comenta com o centroavante adversário que vai torcer por eles na final. E se volta gritando para a sua equipe: “Quero ver agora se vocês não tomam vergonha e jogam bola”.
O jogo ainda não terminou. Mas tudo indica que o time de FHC, que já estava desorientado, terá muito mais dificuldades agora com uma desvantagem no placar e com o adversário afogueado. Deve levar mais uns três e ficar fora da final. Pensando em despertar o ânimo e a qualidade do seu time, FHC deu um impulso ao seu adversário, por quem já garantiu que vai torcer na final do campeonato, já que o seu próprio time vai estar fora da disputa.
Saindo da paródia: dá para acreditar que Fernando Henrique realmente teria pensado que seu jantar com Lula e sua declaração de voto no seu turno iria ajudar a construir uma alternativa eleitoral capaz de quebrar a polarização? Não creio. A não ser que a sua competência política e psicológica esteja muito além da minha limitada compreensão.
Acho que o encontro entre ambos ex-presidentes foi importante. Deixando de lado as querelas partidárias, a procura de um consenso entre duas sensibilidades políticas opostas face ao perigo do possível fascismo tropical pode ser um passo importantíssimo. Um início de entendimento deveria haver ocorrido há mais tempo. Sempre é bom lembrar que Bolsonaro dispõe de uma base armada enorme. Desconheço alguma corrente golpista no planeta que tenha tido apoio semelhante. A maioria dos oficiais e praças das três armas, ou seja, um contingente da ordem de 350 mil ativos e 410 mil de pijama (mais de um terço dos números de funcionários federais ativos e inativos). Uma casta zelosa de suas prerrogativas. A maioria do contingente dos 27 corpos de PM (425 mil ativos e número de inativos significativo); igualmente no caso dos 27 corpos de policiais civis (120 mil ativos); os mais de 1.200 corpos de guardas municipais ativos (800 mil ativos); parte da PF, PRF; o segmento privado de segurança (450 mil vigilantes declarados oficialmente); os amadores de armas e as milícias. Este pessoal está fechado com as ideias políticas mais abjectas deste governo e dispostos ao confronto. A meu juízo, que não vale muita coisa, só não passam à ação, porque ainda não há entendimento com a parte mais alfabetizada do 1% mais rico com os militares. Ocorrendo este entendimento estaremos próximos de Jacarta. Outra razão que segura esta caminhada nefanda é a repercussão a nível internacional, pois o Brasil virou um pária. Particularmente as consequências econômicas, com possíveis sanções. Quanto a terceira via, ela luta contra o tempo, que é curto. Pelo visto, cansados de esperar, pois ele não chega, agora estão “procurando Godot”. E não o encontram, sumiu. Haverá tempo? A parte mais rica do 1% alfabetizado talvez sinta saudades do Lula, pois nunca encheram a burra com tanto cacau como durante seu governo: agronegócio, linha branca, automóvel, os bancos, construção civil, mineradoras e tutti quanti. Estes fascistas não vão apear do cavalo facilmente. Aliás, já o amarraram diante do Fórum.