Instituições são regras de jogo. Determinam o rumo da sociedade. Demonstram a qualidade do processo político. Fixando objetividade ao pacto social. E sobretudo conferem certeza às relações de poder.
Por isso, instituições se sobrepõem ao voluntarismo autocrático. Quando a solidez das instituições prevalece sobre o voluntarismo, o grau de certeza da política confirma o sol democrático. Quando o voluntarismo prevalece sobre as instituições, a incerteza conduz à escuridão.
Bolsonaro acaba de submeter o regulamento do Exército à sua vontade pessoal. E ficou menor. Por duas razões: primeiro, porque apequenou o Exército. E, ao fazê-lo, apequenou as instituições republicanas. De que ele é parte.
Em segundo lugar, porque introduz elemento de insegurança nas relações econômicas e sociais. Ora, insegurança reduz a confiança no governo. E confiança é inspiração de que o governo mais precisa. Pois está cadente nas pesquisas. Tanto na avaliação da gestão. Quanto no sonho eleitoral.
Então, o que aparentemente foi demonstração de força, na realidade traduz fraqueza do presidente. No espaço público, ato de força é sintoma de fraqueza. Hannah Arendt ensinou que política é agir conjunto. O governo está magro.
Douglass North, estudioso da mudança institucional, não enxerga apenas a confiança como elemento essencial de poder. Ele comprova o bom desempenho da economia como produto do funcionamento das instituições. E o PIB é outro item que necessita crescer.
O controle civil sobre o Exército sempre foi pressuposto de normalidade institucional. Nas democracias. Como na América, na Inglaterra. No caso brasileiro, não tínhamos crise militar desde 1985. Geralmente, as crises militares surgem de dentro para fora do Exército. Foi assim na revolução de 30, no Parlamentarismo de conveniência em 61, no golpe de 64.
A diferença na crise atual é que ela veio de fora para dentro do Exército. Gerada pelo poder civil. Na sua mais alta instância. O Exército estava em paz. Aí se instalou um fator de deformação institucional com repercussão política. O presidente deve ser modelo de conduta. Deve ser recorte de exemplaridade. Deve ser referência de equilíbrio. O que nos tem faltado.
O resultado é a violência ampliada nas forças policiais. É um comandante de Academia em Brasília concluir discurso com palavras de ordem do presidente.
Alfred Stepan, em análise clássica do Exército brasileiro, acentua que os militares obedecem ao governo não porque concordem com sua política. Mas porque é sua obrigação obedecer. E quando a obediência traz o germe da transgressão do regulamento militar ?
Não há cenário propício, no país, para desvios autoritários. Não há apoio no mundo empresarial, nem no meio militar, nem de estímulo vindo do exterior. Nesse aspecto, o extremismo de direita ingressa em solidão de três desertos, como diria Nelson Rodrigues. Trump foi embora, Netanyahu arruma a mala.
Meu caro,
Nunca houve um efetivo controle civil democrático sobre as Forças Armadas desde 1985. Já que o senhor mencionou Stepan, basta notar a alta quantidade de prerrogativas militares existentes no país. Por aqui brinca-se de democracia. No caso em tela, o Alto Comando do Exército decidiu dar uma interpretação do RDE que é controversa, mas, aceitável. O RDE precisa ser alterado para que fatos como este não voltem a se repetir. Abraço
Muito interessante a diferenciação que você fez entre crise militar gerada de dentro e de fora da corporação. E que bom que você lembrou Alfred Stepan, merecidamente condecorado com a Ordem do Rio Branco em 2002. Pena que não está mais vivo para participar da discussão. Stepan achava que a democracia não estava bem consolidada no Brasil, mas isso nada tinha a ver com o RDE, e sim porque o sistema federativo como estabelecido no Brasil distorce a representação da maioria. Tive contato com Stepan em New York, no meu tempo de ONU. Até estou citada em “Rethinking Military Politics: Brazil and the Southern Cone”, Princeton UP 1988, mas no tema distribuição de renda.