Como não é possível prever o futuro, convém fazer uma leitura cuidadosa dos sinais dos tempos, nem sempre muito visíveis, que anunciam tendências e intenções dos atores políticos, alguns muito fortes, que podem provocar rupturas no cenário político. As declarações, os projetos e as ameaças de Bolsonaro são alguns sinais, nada sutis, de que ele não está disposto a ceder o poder no caso de uma derrota eleitoral. E na medida em que as pesquisas vão mostrando um declínio persistente da sua popularidade, cresce o seu temor e o seu desespero, aumentando o impulso da sua insensatez. Claro que há uma distância enorme entre as suas intenções e as reais possibilidades de uma ruptura, principalmente considerando que os militares não gostariam de sujar as mãos para dar mais poder à sua estupidez. Mas a estratégia de Bolsonaro é esticar a corda e sinalizar para seus aliados nas Forças Armadas e, principalmente, nas Polícias Militares dos Estados, que eles estão autorizados a agir para defender seu governo e atacar os opositores. Afrontou o alto comando e conseguiu arquivar o processo disciplinar contra Eduardo Pazuello, general da ativa que subiu no palanque e fez discurso para os bolsonaristas, e estaria conseguindo mobilizar as polícias, pelo que aconteceu no Recife no sábado 29 e, em Goiânia, pela prisão descabida e autoritária de um professor que se recusou a retirar do seu carro uma bandeira chamando Bolsonaro de genocida.
Todos os partidos e políticos brasileiros estão pensando nas eleições de 2022, cada um por si e contra o resto, mobilizando-se para derrotar a “vanguarda da estupidez”, definição precisa da infectologista Luana Araújo. Fragmentados e disputando o espaço de oposição, parecem ignorar os movimentos e sinais golpistas de Bolsonaro. Tudo indica que ele ainda acredita na vitória eleitoral, mas se prepara mesmo é para tumultuar o processo, provocar conflito e tensões na campanha, e criar as condições para impedir a posse de um adversário. Ele vai apostar no caos e na comoção social – para isso tem seus milicianos – e em confrontos violentos que podem resultar em mortes, arma para convencer os militares a anularem o evento democrático. Se as pesquisas mostrarem que ele não terá chances eleitorais, não será improvável que Bolsonaro tente tumultuar o país para impedir um pleito limpo e democrático. Não se pode esquecer que estamos lidando com um psicopata.
Os sinais de alerta estão passando, rapidamente, do amarelo para o vermelho. Está na hora de as forças políticas comprometidas com a democracia e com os valores civilizatórios se articularem, esquecerem as eleições e as divergências políticas, para a formação de uma coalizão política para a garantia de eleições limpas e seguras e, principalmente, assegurar os seus resultados. Editorial do Estado de São Paulo do dia 5 de junho fez um chamado contundente: “A hora é esta. Cada qual escolha seu papel na história da pátria. É o momento de apoiar as instituições, lastreadas nos valores indisputáveis da democracia, da República e da liberdade. Que os bons brasileiros façam o silêncio cair sobre os anarquistas golpistas que querem destruir a Nação e instalar aqui uma ditadura baseada na desordem e estruturada na milícia”.
Está na hora de um entendimento político, para além das disputas eleitorais, que sinalize para um futuro governo de coalizão, formado por diversas tendências que convergem em torno de princípios fundamentais, como a consolidação da democracia, a defesa dos valores civilizatórios e o desarmamento das armadilhas bolsonaristas (como o armamentismo), a recuperação da economia com equilíbrio fiscal, o enfrentamento das causas estruturais das desigualdades sociais e a repressão às atividades predatórias que estão destruindo a Amazônia e ameaçando as populações indígenas. As divergências entre as tendências e partidos – do PT ao Novo, passando pelo PSDB, DEM e PMDB – mais em relação aos meios que aos fins, seriam adiadas para as eleições de 2026, com a nação recomposta e livre das ameaças do bolsonarismo. Utopia? Talvez. Mas esta é a hora da defesa dos fundamentos da democracia e dos valores civilizatórios, sem os quais não há futuro.
Correto.