Adriano Batista Dias, Aldeia,
Tarcisio Patricio Araújo, Recife
04 jul. 2021
Construções milenares, podemos vê-las hoje, até sem sair de casa. Pela internet vemos as pirâmides maias, de um povo que tinha o zero na numeração quando os europeus um dia o teriam. Vemos templos incas, que cultivavam algodão a mais de três mil metros de altitude, o que ainda hoje não fazemos. Vemos edificações da civilização teotihuacana, expandida pelo comércio e pela religião, em vez das guerras europeias. Vemos construções milenares na África, Ásia, Europa, e igrejas e palácios há, nas áreas da América que foram objeto da exploração colonial europeia, com séculos de construídas.
Todas estas construções multiseculares, que expressam a engenhosidade humana em todos os continentes, e que se conservam em uso, têm algo em comum. Foram construídas sem uso do aço. Não é o caso das construções atuais. As multipavimento têm obrigatoriamente aço nas lajes. Até nas construções térreas, tornou-se moda reforçar o alicerce com uma viga de concreto armado. O aço barateia a construção, mas necessariamente limita a vida útil da edificação. O ferro contido no aço vai retornando lentamente, às vezes nem tanto, à condição de óxido de ferro, ferrugem. Por isto, conforme normas vigentes países afora, é apenas 50 anos a vida útil mínima a que os projetos de obras civis devem, em geral, satisfazer. E a competição entre os construtores fez rebaixar o custo ao mínimo possível para atendimento às normas, tornando o exercício dessa atividade um desafio para minimizar a vida útil prevista, satisfeito o mínimo estabelecido legalmente.
As cidades, que hoje abrigam a maioria da desatinadamente alta população mundial, têm, geralmente, áreas em que edifícios multipavimento abrigam grande fração dos seus habitantes. Uma fração crescente desses edifícios multipavimento supera, a cada ano, a vida útil objetivada em projetos e práticas construtivas. É a humanidade se expondo, cada vez mais, a desabamentos.
Em Miami, um edifício ruiu parcialmente a 01:30 (hora de Miami) de 25 de junho deste 2021. Os trabalhos de busca por vítimas e salvamento de possíveis sobreviventes foram retardados por um incêndio na profundeza dos escombros. Passada uma semana, no país mais poderoso da Terra, menos de 10% dos corpos de mais de uma centena de desaparecidos haviam sido resgatados. Água, espuma e outras substâncias ditadas pela urgência para extinguir o incêndio foram desprezadas pelo fogo, que continuou por mais de um dia, prejudicando os trabalhos de resgate.
Não é esperado que incêndio surja em escombros de prédios desabados, tendo sido desligada a energia elétrica. Mas foi o caso. Ninguém, no conjunto das autoridades locais e dos jornalistas que cobrem o assunto, ousou vincular o fogo “profundo” à possibilidade de ter sido provocado por um carro elétrico espremido por destroços do edifício. Foi arguido que a formação de uma mistura incendiária de produtos de uso doméstico – guardados em diferentes locais das habitações – poderia ter sido resultado da destruição. É verdade, pode ter sido. Ocorre que há algo novo e muito importante nesse incêndio que os bombeiros não conseguiram apagar: a semelhança com o fogo de bateria de lítio, peça que impulsiona os novos carros elétricos. Os bombeiros se tornam, nos arredores do incêndio, espectadores com poder de evitar propagação do fogo, porque quanto ao incêndio em si nada há a fazer a não ser testemunhá-lo. Não há ainda tecnologia disponível para apagá-los. Incêndios de baterias de lítio ardem até que a carga venha a se extinguir.
Cogitar-se de futuras ocorrências de desabamento de habitações multiresidenciais, o que pode passar a ser mais frequente com o envelhecimento dessas edificações, por conta de automóveis elétricos – com bateria de lítio – estacionados nas profundezas dessas construções, é um horror. Sobreviventes do choque mecânico da queda, encurralados em espaços intersticiais no monturo em que o prédio se transforma, já sofrem o extremo desconforto de absoluta escuridão, sem alimento e sem água. Calor de incêndios e fumaça tóxica queimando seus pulmões é tudo de que não precisam.
Não, a ideia de perseguir aos poucos, com imenso sofrimento e terror, a poucos que tenham escapado do impacto inicial e que, passados os efeitos imediatos do desastre, alimentem a chama da esperança, termina por ser uma brutalidade que excede a imaginação de Dante.
O mundo passa a se encher de carros elétricos exatamente numa época em que enfrenta ocorrências de desabamentos reforçados por deslizamentos que a Mudança Climática torna mais frequentes. As maravilhas dos carros elétricos vão sendo decantadas por interessados em mudar sem mudar. Deixar de lado os terrivelmente poluidores carros movidos por combustíveis fósseis para, em vez de reduzir seriamente a emissão de gases de efeito estufa, transferi-la para locais onde ficam longe da vista e dos sensores de poluição urbana, é o que melhor representam os carros elétricos. Infelizmente trazem outros problemas. Entre estes, o fogo inextinguível de suas baterias – enquanto dure a carga elétrica.
O fogo nas profundidades dos escombros do prédio que caiu ter sido resultante de um carro elétrico destruído é mera hipótese. Futuros incêndios em escombros de prédios desabados, cuja frequência deve aumentar com o envelhecimento da crescente fração de prédios multipisos – que ultrapassaram a vida útil de projeto e com maior frequência de deslizamentos de terra – é uma dantesca previsão racional.
Sem o embasado conhecimento técnico que alicerça este didático artigo, eu já tinha feito especulações dessa ordem desde certo tempo. Usei um raciocínio à base da Lei da Entropia (Segunda Lei da Termodinâmica, tão bem introduzida para exame do processo econômico pelo notável prof. Nicholas Georgescu-Roegen, que foi professor de Adriano e meu amigo). É triste verificar a ameaça que paira sobre os terríveis e esteticamente medíocres prédios de multipavimento. Habitantes dessa desgraça precisam ser advertidos. Obrigado por artigo tão esclarecedor, Adriano e Tarcísio.