Sempre que se fala em “nem-nem” nas eleições, há uma tendência a se identificar o conjunto dos eleitores que não aceitam votar em Lula nem em Bolsonaro, mesmo que as motivações da rejeição sejam bem diferentes. Para alguns analistas, esta posição nem-nem constituiria um equívoco político-eleitoral porque, segundo eles, o voto nulo ou branco num eventual segundo turno entre os dois mais cotados das pesquisas – Lula e Bolsonaro – ajudaria a reeleger o atual presidente. O que é bastante duvidoso, tão duvidoso e questionável quanto a tese segundo a qual os votos nulos e brancos teriam elegido Bolsonaro em 2018, quando estes chegaram a apenas 9,55% dos votos válidos, pouco acima do nível histórico.
A análise dos dados da última pesquisa da Datafolha sobre a intenção de voto no pleito presidencial de 2022 permite uma outra leitura da categoria de eleitores classificados como nem-nem. Os eleitores de Lula que não votariam em nenhum dos outros candidatos que, eventualmente, venham a enfrentar Bolsonaro num segundo turno é um contingente importante. O quadro abaixo mostra o percentual de eleitores que não votaria em nenhum candidato (nulo e branco) no primeiro turno e em três simulações de segundo turno.
Simulações | Nulo e Branco (%) |
Primeiro turno com vários candidatos | 11 |
Segundo turno Lula e Bolsonaro | 13 |
Segundo turno Ciro e Bolsonaro | 15 |
Segundo turno Dória e Bolsonaro | 19 |
Fonte: Pesquisa Datafolha realizada em 13 e 15 de setembro
No primeiro turno, mesmo quando apresentados vários candidatos, 11% dos eleitores afirmam que não pretendem votar em ninguém, pouco mais do que ocorreu no segundo turno de 2018. Este percentual de nem-nem cresce nas três simulações de segundo turno, mas o aumento é relevante no caso do candidato ser Ciro Gomes e, muito expressivo se o candidato for João Doria. Numa disputa entre Lula e Bolsonaro, o percentual nulo e branco seria de apenas 13% dos eleitores, ou 2 pontos percentuais acima do enunciado no primeiro turno, portanto, dentro da margem de erro. Assim, tudo indica que grande parte dos democratas que busca uma terceira via votaria em Lula, no caso deste ser o adversário de Bolsonaro no segundo turno. Ou seja, eleitores que não querem Lula nem Bolsonaro (nem-nem) e que, num primeiro turno, distribuiriam as intenções de voto com outros candidatos, terminariam votando, mesmo a contragosto, no ex-presidente, para não reeleger o atual presidente. No primeiro turno apostam em outros candidatos (nem Lula, nem Bolsonaro) para derrubar o atual presidente, mas, no segundo turno, tenderiam a votar em Lula contra Bolsonaro.
O mesmo movimento não ocorre no caso das outras simulações de segundo turno com Ciro ou Doria contra Bolsonaro. No caso de Ciro, o percentual de votos nulos e brancos cresceria 5 pontos percentuais em relação às intenções do primeiro turno e, embora não possa ser atribuída à recusa de lulistas a votar no ex-governador do Ceará, é indiscutível a rivalidade entre os dois, mesmo com ideias muito parecidas.
Na simulação de segundo turno com Doria como o adversário do atual presidente, os votos nulos e brancos saltam para 19% dos eleitores, oito pontos percentuais acima do registrado no primeiro turno. São seis pontos percentuais acima do registrado com a disputa Lula-Bolsonaro, embora o índice de rejeição atual de Doria seja exatamente o mesmo de Lula (37%). O que pode explicar este percentual tão elevado de nulo e branco na disputa Doria-Bolsonaro se não a recusa de lulistas e petistas a transferirem votos para um candidato que consideram de direita, seja lá o que isto significa, provavelmente mais uma disputa paulista que diferença ideológica?
Tudo indica, portanto, que grande parte dos lulistas são mais resistentes a votar em outro candidato capaz de derrotar Bolsonaro que os adversários do PT votarem em Lula para impedir a reeleição do atual presidente. Ou seja, nem-nem mesmo seriam os petistas que se recusam a votar em qualquer outro candidato, mesmo que isto leve à reeleição de Bolsonaro. Na verdade, eles são muito mais que apenas “nem-nem”, eles são “nós e mais ninguém”, esperam que todos votem em Lula, mas não se dispõem a votar em ninguém. Embora os 44% que declaram voto para Lula num primeiro turno não sejam todos petistas, a parcela destes que migraria para votar em Doria seria muito baixa. Vale ressaltar que, mesmo assim, tanto Ciro Gomes quanto João Doria derrotariam Bolsonaro com alguma folga: 19 pontos percentuais de vantagem de Ciro e 12 pontos percentuais de Doria sobre o atual presidente da República.
Mesmo que seja necessária uma pesquisa mais qualificada, a análise desses dados permite levantar uma hipótese: o “nós e mais ninguém” dos petistas está tão mais arraigado no eleitorado que o “nem-nem” dos que não aceitam Lula nem Bolsonaro. A maior parte desses deve deslocar o voto para Lula num segundo turno, mas muitos lulistas tendem a não votar em nenhum outro candidato que venha, eventualmente, a enfrentar o atual presidente. O ideal seria que houvesse apenas um “Bolsonaro, não”. Mas, infelizmente vamos para a disputa com o governante que está destruindo a nação e tentando desmontar a democracia brasileira divididos entre um grupo de “nem-nem” e um agrupamento maior, bem mais resistente e intolerante de “nós e mais ninguém”.
A pura racionalidade costuma ser pessimista. Dureza! – a lucidez de Sérgio Buarque. Pois é, seria lindo ter uma “frente democrática” contra Bolsonaro que incluísse todo mundo, todos os partidos e movimentos, como foi no “Diretas Já”. Como disse Merval Pereira, “boa ideia”, “mas não vai acontecer”, porque implicaria o pessoal da 3ª via votar no Lula, o que não querem, é claro. Poderia Lula apoiar outro candidato, mas isso é ainda mais impossível, Lula não abdica da candidatura, e o lulopetismo em geral só pensa em se vingar de não terem deixado Lula ser candidato em 2018, considerado uma injustiça. É só vingança o que move o PT por enquanto. Não só contra Bolsonaro, mas contra todos os que não apoiaram incondicionalmente o PT em 2018. Já em 2018 foi proposta ao PT e a Haddad uma aliança contra Bolsonaro, então recusada. Lá, como agora, preferem o risco de uma vitória de Bolsonaro. Lá, como agora, Bolsonaro é subestimado.
Caro Sérgio Buarque, a sua abordagem acrescenta algo novo na análise da atual polarização política. O protagonismo excludente do lulopetismo – “nós e mais ninguém” – o desqualifica como uma opção hígida ao deletério bolsonarismo. Outra alternativa haverá de surgir!