Desde pré-adolescente, dificilmente transcorre uma semana sem que eu não entre numa livraria. Começou com a de seu Manuel Gouveia, em Garanhuns, na avenida Santo Antônio, e veio até a L ?écume des pages, de Saint-Germain, na adolescência da velhice, até recentemente a preferida. Posso estar até na Carélia, cuja língua ignoro. Mesmo assim, entrarei na loja, vou inalar com alegria de dependente o perfume inconfundível de tinta gráfica, e perguntar onde é a seção de livros escritos num idioma que eu conheça minimamente. 

Amparado por um orçamento baixo e por operar um ofício autoral – opção consciente para me poupar de impostos em cascata, infartos, burocracia, funcionários e falácias trabalhistas –, o grosso de meu dispêndio é em livros. Compro uma calça nova por ano e talvez três camisas. Para os mais próximos, vinhos ou mais livros. Rara vez, um adereço feminino para presentear. Já livros, estou sempre comprando. Para ler os que já tenho em casa, precisaria viver um século. Pouco importa. Preciso estar próximo deles, consultá-los, folheá-los e ter a opção de abri-los ao acaso. 

Das muitas viagens que fazia por ano ao mundo, trazia uma média de 20 de cada. O processo de aquisição sempre foi penoso. Seja em Hong Kong, Santiago, Barcelona ou aqui em São Paulo. Primeiro, pego uma cesta e coloco o que interessa. Depois uma segunda e, rara vez, uma terceira. Escondo-as num canto discreto e vou tomar um café. Fumo um cigarro na calçada, o que alivia a tensão pré-compra, mesmo que tenha parado de fumar. Quando muito, ancoro a angústia no balcão do barista para aplacar os giros da cabeça.

Volto então à livraria e me aboleto numa cadeira com as cestas aos pés. Então começo a folheá-los. Muita gente fica observando minha gula. Não rara vez, leio ali mesmo capítulos inteiros. Mas a meta nesse estágio é de descartar as redundâncias. Tudo aquilo que já tenha lido em outro lugar, é descartado. O mesmo destino cabe às releituras de conteúdos manjados. Digamos que essa etapa, concluída ao cabo da quarta hora, elimina dezenas de volumes. A alguns terei que renunciar pelo custo-benefício. Não tem tomador de vinho que estabelece um teto de 30 euros por garrafa? Pois o princípio se aplica ao preço médio de meus livros. 

Então saio para um segundo café. Isso porque, todas as contas feitas, geralmente estouro o orçamento, mesmo prometendo a mim mesmo sacrificar o jantar. Na fase final, já tenho, pelo menos, uma dezena de livros que levarei de qualquer jeito. São paixões tão fulminantes que, embora mais caras, justificam novas renúncias para não fugir da média de preço unitário. Chego ao caixa e ainda choro um desconto. É comum que me concedam 5%. Dali, saio tão feliz quanto uma mulher chique ao comprar uma peça de grife, do momento que adivinha que ela vai lhe conferir charme e elegância. Não falo, bem entendido, de compradoras compulsivas. De minha parte, eu tampouco cedo ao apelo fácil dos bestsellers.

Chegando ao hotel, por fim, com as juntas das falanges vermelhas do esforço, jogo os livros na cama, e coloco-os com as capas para cima de forma a poder admirá-los. Então, arranjo um lugar para me deitar entre eles. E, tal como Tio Patinhas na caixa-forte, naquele banho de dinheiro que tanto lhe restaurava as energias, ali fico por uma hora, rico e feliz, folheando-os aleatoriamente e antecipando os bons momentos que passaremos juntos. 

Há os que serão doados; uns poucos que serão dados para a venda nos sebos dos amigos, e um terço que vai virar presente. Ao cabo de cinco anos, estarei com não mais que 8 unidades daquela compra de 20 livros, feita lá atrás. Mas eles constituirão o núcleo duro da biblioteca e me aflige mais, muito mais, o que farão deles depois de minha morte do que o que significará ela própria.