Nesta semana, vimos centenas de brasileiros serem deportados dos EUA por tentarem ilegalmente entrar naquele país. Para lá foram – e têm sido milhares nos últimos anos- em busca de emprego. Pelo trabalho no exterior procuram melhorar a qualidade de vida e ter um futuro mais promissor. O paradoxo é que, agravado pela pandemia e pelos efeitos do generoso auxílio-emergencial do governo norte-americano, milhares de trabalhadores estadunidenses têm se recusado a aceitar os empregos ofertados, dados o nível de salário e as adversas e enraizadas condições de trabalho vigentes. Tem faltado mão de obra nos EUA em meio a uma série de críticas a um sistema social e previdenciário que protege precariamente a força de trabalho do país. Os trabalhadores brasileiros que para lá migraram ou que continuam tentando cruzar a fronteira com o México sabem disso, mas estão dispostos a assumir esses postos de trabalho no lugar dos americanos. A rede de proteção social ao trabalho e ao trabalhador no Brasil é muito melhor do que nos EUA, mas isso não desestimula que brasileiros busquem um emprego por lá. Emprego que não encontram facilmente por aqui. Por que? A taxa de desocupação nos EUA   foi de 3,9% em dezembro de 2021 e, no Brasil, 12% (12,9 milhões de desempregados). Enquanto a economia americana cresceu 5,7% em 2021, a brasileira deve, extraordinariamente, aumentar 4,1%. As previsões para a economia brasileira, em 2022, são pessimistas e já próximas da estagnação. A economia americana por sua vez deve voltar a cresce neste ano pelo seu padrão histórico, entre 2% a 3% ao ano, o que pelo seu tamanho trilionário é muito significativo. 

 A diferença está no dinamismo do mercado de trabalho americano que gerou 6,4 milhões de empregos no ano passado em consequência do crescimento econômico. O Brasil gerou menos de três milhões, recuperando, em parte, as perdas de 2020. O argumento é que apesar das crescentes insatisfações sobre o nível de rendimentos e sobre as condições e relações de trabalho, o crescimento da economia americana é capaz de absorver contingente numeroso de trabalhadores. Isso não significa que o frágil marco regulatório americano seja boa referência para o Brasil ou para o mundo. Todavia, e este tema fica para outro artigo, níveis de regulação e respectivos custos afetam o dinamismo do mercado de trabalho medido pela sua capacidade de gerar empregos de qualidade. O caso dos emigrantes brasileiros exemplificado acima constitui pano de fundo para a discussão pautada novamente- dada a proximidade das eleições –  por setores da esquerda conservadora sobre a reforma trabalhista aprovada no Governo Temer e que alguns sugerem seja revista ou revogada.  

A reforma trabalhista entrou na pauta eleitoral para capturar com discursos populistas os votos de trabalhadores, muitos dos quais desempregados, como vimos acima, e sensíveis a toda possível iniciativa que possa dificultar a obtenção de um emprego formal ou que ameace os empregos já existentes. O argumento principal é que a reforma não gerou empregos nestes últimos três anos e que vai dificultar a criação de empregos nos próximos. Outro, é que ela retirou direitos. É fato que, por má fé ou desinformação, usou-se o argumento do poder gerador de empregos da reforma durante sua apreciação e aprovação no Congresso Nacional. Todavia, geração de empregos não é o objetivo da reforma. Isso não significa que ela não afete o desempenho do mercado de trabalho durante o ciclo econômico e em meio a uma era crescentemente digital como explicaremos mais adiante. 

A reforma trabalhista veio para adequar a legislação às novas formas de inserção do trabalho no sistema produtivo, agora acentuadas pela pandemia, e para valorizar a negociação direta entre empregados e empregadores. A legislação trabalhista brasileira é rica em direitos individuais e pobre em direitos coletivos. A reforma tornou o marco legal menos rígido e mais aderente a uma realidade em rápida mutação. A reforma não gera empregos, mas dota o mercado de trabalho de flexibilidade para se ajustar ao ciclo econômico e para se adequar às mudanças nos processos de trabalho aceleradas pela revolução tecnológica de base digital, pela inteligência artificial e pela automação.

O que gera empregos é o crescimento econômico como argumentamos com o exemplo do mercado de trabalho dos EUA. A demanda por trabalho tem origem no nível da atividade econômica. Quando a economia cresce, o emprego cresce. Quando a economia vai mal, o emprego vai mal. Entre 2017 e 2019 tivemos um crescimento pífio do PIB (em torno de 1,0%). Em 2020, sofremos os efeitos de uma recessão induzida pela pandemia (-4,4%) e, em 2021, vamos crescer em torno de 4,1% em parte devido à recuperação de uma base deprimida. Nessas circunstancias, atribuir à reforma trabalhista a responsabilidade pelo mal desempenho do mercado de trabalho nos últimos quatro anos é ignorância ou má fé. 

O mercado formal de trabalho é regulado pela CLT, funcionando sob a vigilância da Justiça do Trabalho e dos sindicatos. É, portanto, muito institucionalizado e litigioso. Nos EUA ele é bem menos regulado e os conflitos entre Capital e Trabalho são resolvidos pela mediação e arbitragem privadas. Não existe Justiça do Trabalho, nem o equivalente a CLT e os sindicatos perderam força e prestígio nas últimas duas décadas.  No Brasil só 36% da força de trabalho, (IBGE, ago. Out, 2021), têm carteira assinada (33,9 milhões) sendo protegidos pela legislação trabalhista e previdenciária. A maioria da força de trabalho brasileira (40% ou 37;6 milhões) está excluída da rede de proteção social porque não têm carteira assinada (12 milhões) ou porque são trabalhadores por conta própria (25,6 milhões), a maioria dos quais não contribui para a Previdência Social. Precisamos reduzir os estímulos para essa exclusão e o caminho não é revogar a reforma trabalhista. Se o fizermos, a transição para a inclusão dos sem carteira e dos conta-própria na rede de proteção social via emprego formal ficará ainda mais difícil. Proteção ou regulação excessiva de um grupo de trabalhadores, pode desproteger os demais porque dificulta a geração de postos de trabalho pelos seus elevados custos de admissão e de demissão.

E quanto aos direitos? Reincorporar ou gerar novos direitos como advogam alguns grupos e corporações gera custos. E quanto maiores os custos, dadas as incertezas quanto à sustentabilidade da retomada, menor o estimulo para contratar com rapidez trabalhadores quando a economia está em expansão e maior os incentivos para reduzir com presteza as despesas com salários e encargos quando a economia mergulha no ciclo recessivo. 

A reforma trabalhista sozinha não gera postos de trabalho formais, mas contribui para acelerar o ritmo da retomada dos empregos durante o ciclo expansivo da economia e para reduzir a velocidade e a intensidade com que se desemprega na recessão. A mudança na legislação, portanto, apenas facilita o ajuste do mercado de trabalho na retração e na expansão da economia. Não se gera emprego por lei ou decreto, mas o marco regulatório pode dificultar ou facilitar a geração de empregos A melhor política de emprego é o crescimento econômico no contexto de uma legislação moderna e justa. A sociedade não deve se iludir com discursos   falaciosos inspirados por motivações eleitorais.

Jorge Jatobá é Doutor em Economia e membro do Instituto de Estudos e Pesquisas para o Fortalecimento da Democracia – IEPFD