Os emigrantes.

 

Fiquei estarrecido. Não havia escutado antes. Mas, sem dúvida, novamente o preconceito entre regiões brasileiras é escancarado. Na televisão, num programa de notícias de boa audiência, num horário nobre. 

Um professor do INSPER, dito cientista político Carlos Melo, num debate sobre as alianças que se estruturam para a campanha presidencial deste ano, declara que o Centrão ficará com o presidente enquanto perceba a possibilidade de liberação de recursos. Seria tudo interesse financeiro, nada mais que isso.

Até esse ponto, nada de anormal. Faz parte do perfil político brasileiro, do modus operandi de parte significativa da classe política em várias regiões do mundo.

O que me chocou veio a seguir. A declaração de que os aliados do Centrão são do Nordeste. Em suas palavras:

“É lá que reside o Centrão, no Piauí de Ciro Nogueira, nas Alagoas de Arthur Lira. Se Bolsonaro não equilibrar, essas lideranças vão pular do barco. Então ele precisa mostrar de alguma forma a esses eleitores especiais que ele é capaz de sustentar uma campanha.”

Parece pouco, mas essa identificação do projeto bolsonarista com o Nordeste é um novo preconceito criado. Que pode se tornar “verdade” caso seja repetido inúmeras vezes.

Esquece-se ser a região a única que se opôs ao atual mandatário nas últimas eleições, em que todos os Governadores são de oposição. Que durante a Pandemia criou mecanismos próprios para se proteger de atitudes impensadas do governo federal. Que apresenta o maior grau de rejeição ao atual sistema de governança.

Não posso crer ser uma atitude impensada ou sem preocupação com conseqüências futuras. Parte da visão estruturada em boa parte das elites das regiões hegemônicas, que atribuem ao Nordeste a origem de todas as mazelas nacionais. É o bode expiatório para tudo que dê errado. Se o Governo é incompetente, ou melhor, desqualificado, a culpa não é de quem votou nele ou se aliou no primeiro momento a esse esquema, mas de uma região que deve ser vista como a origem de todos os males. É essa a visão que procuram disseminar, é essa a lógica que o professor procura propagar.

Evidentemente, há no Nordeste muitas forças reacionárias que aderiram ao projeto de poder atual. Evidentemente que o reacionarismo está presente em parte das elites regionais, mas atribuir à Região o papel de ser o núcleo de um bloco conservador, que se articulou com o Palácio do Planalto e se vende por benesses financeiras, é posição ideológica de quem quer sempre ver o nordestino em um estereótipo que agrega subserviência, indolência e venalidade.

A análise da composição do Centrão esquece a realidade observável. Sua penetração é maior no Sul, no Centro-Oeste, no Norte, e até no interior do Estado de São Paulo. Basta verificar as últimas votações no Congresso – a dos Precatórios, por exemplo – e de onde vieram os votos de apoio aos planos maquiavélicos que passaram pelas duas casas. Não atentar para esse fato, no mínimo, mostra o quão enviesada é a análise, o quão distorcida a forma como é apresentada. 

Causou-me estranheza que nenhum entrevistador se tenha posicionado frente a tal atitude, nem tenha havido qualquer questionamento sobre essa malévola correlação entre o Nordeste e o bloco conservador venal. Passou como se fosse natural, como se nada de diferente tivesse sido dito. Nenhum dos presentes pediu maiores esclarecimentos, ou fez notar que a postura apresentada trazia um fato que não poderia ser constatado na prática.

Acredito que esse perfil de preconceito está entranhado nas elites brasileiras, mesmo as intelectualizadas. Uma maneira de depreciar e excluir brasileiros no debate de uma nação mais harmônica. Uma maneira de livrar-se da responsabilidade de atitudes incorretas assumidas, ou por uma visão segregacionista e perigosa, muitas vezes adotada. O discurso pode ser a tônica do debate deste ano, criando clima de desconforto, de “verdades” inventadas e não constatadas.

Chegou a hora de um basta. Não há como continuar escutando sandices e simplesmente deixar passar. Respeito é o mínimo para um país que precisa de novos rumos.