Já ouvi chamarem de formadores de opinião midiática. Também, de influencers. Prefiro divulgadores de fake news, desculpem o pejorativo. Usam o conhecimento superficial e tem um manual de obviedades ditas com muita pompa. Vivem de aparências. São amostrados, dizem saber de tudo. Suas verdades são inquestionáveis. Sempre são exitosos, não admitem que tiveram fracassos. Mas, o mais impressionante, enfaticamente, tem a solução para qualquer mal da sociedade, se dizem detentores de caminhos que podem levar a um mundo em que eles e seus senhores, a massa “escrava”, vivam em harmonia e plenitude. Foram designados para isso, não se sabe por quem. Esse subgrupo está sendo chamado de mentores de mídia.
Tenho dificuldades de reconhecer minhas limitações e o quão cruel é uma civilização que baseia seu modo de produção e convivência em parâmetros necessariamente desiguais e excludentes. Em que aparências são mantidas, mas intimamente se tem a plena convicção de que existem seres humanos em situações inferiores e superiores. Os padrões éticos e morais que construímos permitem isso. Tornam tudo natural. Mesmo a exploração de seres de nossa espécie. Afinal de contas, o acerto será feito em outro mundo. Convençamos os desfavorecidos que é natural, e serão recompensados pela “vida eterna”, sem ter muita certeza de que essa existirá. Surge elemento fundamental de um mundo dual em que o que ocorre neste mundo só pode ser porque teremos alguma chance futura. A crença se concretiza como aspecto de dominação.
Houve época em que existiam duas classes. A superior, normalmente constituída por uma elite monárquica, que teria sido ungida a esse patamar por um direito divino, e uma inferior, em geral constituída de camponeses, comerciantes e artesões que teria que suprir as necessidades da primeira, mas, muito mais, teria que dar sustentação a um estilo de vida perdulário e ostentatório. Para manter o equilíbrio desse sistema, dois grupos de suporte eram fundamentais, os da força, os exércitos, e os da gestão, os de colarinho não sei que cor que se encarregariam de engendrar estratégias de exploração e de manutenção sob controle dos subjugados. Séculos se passaram nesse perfil de controle.
Nos dias atuais, com o avanço das comunicações, com as novas mídias e a hiper informatização da sociedade, novos atores surgem no processo de manutenção de privilégios e de alijamento das grandes massas do usufruto dos resultados do progresso tecnológico e civilizatório. Influencers, hackers, mentores, numa parafernália de termos que têm como significado último o sentido de manipuladores em sua maioria. Surgiu essa nova subclasse fundamental para dar sustentação a um sistema cada vez mais concentrador, onde a esperança de mudança pouco se vê.
Se num primeiro momento, a força sustentava a monarquia, se num outro instante a religião e as promessas extraterrenas aplacavam a fúria da revolta, atualmente, os profissionais das mídias e a desinformação pulverizam o descontentamento e criam ambientes nada reais que tornam a indignação com a sociedade em que vivemos, chacota de um mundo virtual e fazem com que tudo se torne suportável, até a tristeza de uma época com quase metade de sua população na pobreza e na miséria. É o suporte que se queria para uma elite que somente consegue pensar em sua riqueza, em seu bem-estar.
Um aparte necessário. Nesse mundo sombrio, qual o papel que a classe média intelectualizada vem desempenhando? Sem dúvida, não é de análise crítica ou revolta. Sem pensar em um papel transformador, é base para um papel conservador. Adéqua-se com facilidade a um mundo que também lhe traz benefícios. Cria mitos e não faz reflexão aprofundada desse movimento usurpador da dignidade humana. Adora Lives e aparecer nos novos meios de comunicação.
Um exemplo, um seminário de intelectuais. A preocupação é entender caminhos alternativos para a sociedade brasileira. Caminhos que permitam uma coletividade mais saudável, mais harmoniosa. Apegam-se num autor clássico. Loas a seus trabalhos e a seus achados. Saem convictos que a saída é endeusá-lo. Felizes, a solução foi dada. Esquecem-se de contextualizar o seu trabalho. A sua posição política é ignorada. Seu conservadorismo esquecido. No caso brasileiro, dois tristes pontos são simplesmente olvidados.
Sua saída seria a “democracia racial” que teríamos sabido construir. Ela dá sustentação a uma civilização plural e virtuosa, está nos textos do autor foco. E os “sábios” que ali se reuniam acenavam para uma plena concordância. Pena não terem lido com atenção obras mais recentes que mostram o quão falsa é esta visão, o quão excludente é nossa sociedade, o quão racista é nossa população. Na Universidade que estudei, os sociólogos mostravam isso com clareza. Saudades de um Florestan Fernandes.
Outro ponto da obra do autor idolatrado é a tolerância de nossa sociedade pelos diferentes, um lócus em que se convive harmoniosamente origens étnicas e tradições diferenciadas. Uma leitura atenta das obras do chamado mestre mostra o quão preconceituoso foi. Evidentemente, assumindo visões comuns de sua época, mas que não deixam de ser cruéis e discriminatórias. Basta ver os trechos em que analisa os muçulmanos e judeus. Em que diz, por exemplo, que, os últimos são os responsáveis pelas tendências “do português aventureiro para a mercancia e o tráfego…suas fortunas se acumularam pela usura”. “Indivíduos desembaraçados de escrúpulos católico-romanos e das leis da Igreja”. E conclui com toda pompa e circunstância que o Tribunal do Santo Ofício foi criado com a “função de examinar as consciências e examinar a frio e metodicamente os bens acumulados por mãos de herege”. Inversão total de causalidade. Nenhuma crítica ao sentido de que a Inquisição foi um mecanismo cruel de dominação e de exclusão de povos que tinham suas crenças e sua cultura. Como, a partir dessa base, pode-se falar numa sociedade inclusiva e sem preconceitos? Mas, os “sábios” nada falam. Muito menos as mídias regionais e os formadores de opinião midiática.
Uma conferência de um médico conhecido. Eufórico anuncia o fim da Pandemia. E diz mais. Um evento normal na história da humanidade que está sendo superado com sabedoria. “Principalmente no Brasil”. Fico assustado. Quantos erros, quantas vidas perdidas. Mais de 660 mil vidas. As medidas tomadas sofreram retardo, interesses meramente de lucro comercial levaram a muitos brasileiros desaparecerem. Mas, lendo o jornal de hoje vejo que essa posição não era só do médico. Rapidamente há uma reversão das estatísticas dos que reconhecem que houve erros no processo, rapidamente se esquece tudo que a CPI escancarou. Os formuladores midiáticos e os seus robôs se mostram eficientes.
Um processo de aniquilar memória, fortemente alicerçado na nova elite dos detentores de mecanismos de mídia e propaganda que levam à desinformação. Não foi preciso um esforço adicional de campanha política, não foi necessário um movimento maior para reversão de uma posição consolidada de rejeição ao negacionismo. Apenas difundir idéias e repeti-las muitas vezes.
Esse é o mundo dos devaneios da classe opressora, alicerçado em uma nova classe de formadores de opinião no mundo da nova informática.
Caro Abraham, esta sua crônica acerta o alvo da questão. Parabéns!!!!
Obrigado pela leitura Fernando
Bom pensarmos similar Fernando
Caro Abraham, penso que você foi injusto quando chamou os formadores de opinião midiática ou influencers de “divulgadores de fake news”, confundindo aqueles que usam as plataformas sociais para se comunicar com os seus seguidores e mesmo para o exercício narcisista, com os intencionais propagadores de mentiras, como o gabinete do ódio. Podemos não gostar dos influencers, não perco meu tempo seguindo-os, mas, não parece justo jogar todos na vala comum dos propagadores de fake news. Existe de tudo (do ponto de vista dos conteúdos e das ideologias) neste grande número de influencers que vagam nas redes sociais, não permitindo generalizações. E não creio que eles venham a constituir uma “nova subclasse fundamental para dar sustentação a um sistema cada vez mais concentrador, onde a esperança de mudança pouco se vê”.
Do meu ponto de vista, estamos tratando de um novo meio de comunicação de alta capacidade de propagação e elevada velocidade de difusão que pode ser utilizado, e tem sido utilizado, para tudo, incluindo a disputa (debate, nem tanto) política e ideológica, tanto pelos que pulverizam o descontentamento e diluem a indignação no entretenimento do mundo virtual, como pelos que exercem a crítica social. Aparentemente, os primeiros estão levando vantagens, mas as redes sociais não carregam elas mesmas uma ideologia, sendo utilizadas para diferentes formas de reprodução de visões de mundo.
Subscrevo. E a referência não explícita ao Seminário de Tropicologia, por um membro do Seminário, é igualmente injusta. Descontando o tratamento quase hagiológico à figura de Gilberto Freyre, a tese de que o Brasil NÃO É uma democracia racial comporta temperamentos. Afinal, não há obstáculos legais à ascensão dos afrodescendentes no Brasil, como houve nos Estados Unidos. A questão deveria ter sido tratada no próprio Seminário. Ele é o ambiente propício para tal discussão.
Abraham, acho que você também foi injusto no seu artigo quando fala do papel que estaria desempenhando a classe média intelectualizada no Brasil que, segundo ele, em vez de crítica e revolta e “sem pensar em um papel transformadora, é a base para um papel conservador”. Ou, como completa, “cria mitos e não faz reflexão aprofundada desse movimento usurpador da dignidade humana. Adora lives e aparecer nos meios de comunicação”. Será? Uma parte da classe média intelectualizada pode caber perfeitamente nesta sua análise. Mas não podemos ignorar a atuação de uma outra parte da classe média intelectualizada, bastante significativa, que tem publicado análises críticas em jornais, muitas revistas, inúmeros blogs, artigos e livros, autores, articulistas, pensadores e polemistas procurando refletir criticamente sobre a situação política, econômica e social do mundo e do Brasil? Entre os quais está o próprio Abraham e vários outros articulistas desta Revista. Aliás, a crítica e a manifestação de indignação social são a motivação da Revista Será. Seguramente, sem o sucesso e a competência que seria desejável.
Só fui até o artigo porque tinha comentário de Sérgio C. Buarque e Clemente Rosas. Tipo do texto de “grande intelectual” que considera todos os demais desprezíveis. Uma geleia geral: chama a floresta de pântano mal cheiroso, quando é incapaz de distinguir entre as várias espécies de plantas da floresta. Evidentemente não participa de redes de mídia digital, por isso não sabe o quanto são heterogêneas.
Prezados Senhores
Fico feliz pelas observações. Ressalto que toda semana escrevo um artigo para um grupo de amigos e que, gentilmente, às vezes, a Será, como outras revistas, publicam.
Reafirmo minhas convicções. Quanto ao mundo midiático assim se transformou e assim tem sido usado. Quanto à classe média intelectual, seu reacionarismo é marca claramente observável. Acho que se aprgar a minorias meritórias ou exceções pouco agrega ao debate.
Quanto à crítica ao Seminário fui muito mais explícito no artigo desta semana. Se puderem ler verão. Aliás, minha postura crítica sempre foi patente no próprio Seminário. Loas não fazem avançar.
Quanto à democracia racial e preconceitos, bom seria ler os Anais do Seminário de Salamanca, que vocês receberam, os artigos de Arlindo José Reis de Souza e o de Alberto Luiz Schneider.
Quanto ao grande intrlectual da pessoa que não conheço, mando-lhe um abraço apenas. Talvez conheça mais que você as novas mídias e sua penetração.