José Paulo Cavalcanti Filho, é membro da Academia Brasileira de Letras

 

“Academia nova é como religião sem mistérios, falta-lhe solenidade”, lembrava Joaquim Nabuco em seu Discurso de Posse nesta Academia Brasileira de Letras. E concluiu “As Academias precisam de antiguidade”. Precisam mesmo. De antiguidade, tradição e memória. “O povo há de elevar-se pelas tradições” (Alexandre Herculano, Carta a Magesai Tavares) e “sem memória não existimos” (Saramago, Cadernos de Lanzarote). Mais que esforço de uma geração, a partir de conhecimentos que, com o passar dos anos, vão se acumulando. Somos “anões nos ombros de gigantes”como na célebre imagem de Bernard de Chartres, depois aproveitada por tantos escritores – desde Montaigne até Monteiro Lobato. O futuro nos ombros do passado. Desde o início dessa caminhada entendendo, junto com Orwell (1984), que “quem controla o futuro controla o presente e quem controla o passado controla o futuro”. Como se tudo fosse prenúncio de algo maior que já se pode pressentir e permanece, entranhado em nossas carnes. “Esse pó que fica nos livros, o pó do tempo” (Eduardo Lourenço, entrevista à Agência Lusa). Um culto que é importante, sobretudo, por ser parte de quem somos, o muito feito e o tanto ainda por fazer.

A obra do homem nasce na solidão. “Sem solidão escrever não se produz”, dizia Marguerite Duras (Escrever). Proust sentiu isso (À sombra das raparigas em flor), a “reclusão é mais forte que qualquer outro sentimento”. Só que, uma vez no mundo, essa obra deixa de pertencer ao autor. Passa a ser de todos. E é nessa aparente oposição, entre gestos solitários e ações coletivas, que as academias vão sendo construídas. Por não se fazer com pessoas isoladas, ainda que preparadas e especiais. Fernando Pessoa definiu, com precisão, “Um barco parece ser um objeto cujo fim é navegar; mas o seu fim não é navegar, senão chegar a um porto” (Bernardo Soares, Livro do desassossego). E lembro dessa metáfora dos navegadores antigos ao refletir sobre nossa Academia. Que seu fim, em palavras de Merval Pereira quando assumiu a presidência da Casa este ano, sobretudo seria “distribuir conhecimento”. É nosso melhor Destino. E se faz em comunhão. Todos juntos. A própria razão de haver determinado, o art. 22 do Regimento Interno, que, nos discursos de posse, o novo Acadêmico “apreciará a personalidade e a obra dos patronos e dos antecessores”. Não pretendo me afastar dessa liturgia. Aqui estão, pois, alguns companheiros de ontem.

P.S. Início do Discurso de Posse na Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras – que lerei, hoje, às 21:00 hs. Nas colunas seguintes, seguem umas poucas lembranças sobre anteriores ocupantes da Cadeira 39.