Capa do O Pasquim.

 

Em junho de 1970 começou a censura prévia ao Pasquim. A ponto de, numa edição, poema hermético de Luís Carlos Maciel, ininteligível, ser devolvidos pelos censores com enorme X.

E chegou a Copa do Mundo. Armando Marques, o célebre juiz, foi contratado pelo jornal para comentar a competição. Por sua vez, o meia Gérson foi convidado para comentar o pós-Copa. Entrevista de quatro páginas. Ele confirmou o apelido de Papagaio. Falando sobre tudo. E sobre todos. Reconheceu o hábito de fumar um maço de cigarro por dia. E que a conquista de 70 era uma glória a ser dividida entre João Saldanha e Zagalo.

A partir da edição 66, o jornal lançou a escolha dos Homens sem Visão. As escolhas recaíam pesadamente sobre as figuras do governo. A situação se agravava. O jornal se mostrava “anárquico e desaforado”, segundo Marcio Pinheiro, autor do livro sobre o hebdomadário.

Mas, a entrevista com o cantor Roberto Carlos bombou. Foi uma edição de 450 mil exemplares. No dia da entrevista, a redação encheu. O trânsito na rua parou. Não se sabe como, Tarso de Castro conseguiu que o cantor sentasse dentro de uma banheira. Com foto de Paulo Garcez. A apresentação da matéria por Tarso trazia o seguinte título: Minha vida íntima com Roberto Carlos.

O tempo, o atrito de convivência, as vaidades, mostraram uma divisão de dois grupos. De um lado, Paulo Francis e Millôr, querendo um jornal mais intelectualizado, ipanemense. De outro lado, Tarso de Castro e Luis Carlos Maciel, optando pela produção de veículo mais voltado para a cultura de massa.

Em 1 de novembro de 1970, a prisão. Por causa de charge de Jaguar na reprodução da tela Independência ou Morte, do pintor Pedro Américo. Na charge, D. Pedro gritava: Eu quero mocotó !!

Eu quero mocotó era título de música apresentada pelo orquestrador Erlon Chaves, num concurso de canções na televisão. Durante a apresentação, o maestro era cercado por bailarinas com ínfimos biquinis. O episódio valeu reação por parte de mulheres de militares. Que, somada ao clima de animosidade semeado pelo jornal, detonou a prisão dos integrantes do Pasquim.

Foram recolhidos ao Doi-Codi, Tarso de Castro, Luis Carlos Maciel, Ziraldo, Jaguar, Sérgio Cabral, Paulo Francis, Flavio Rangel, Fortuna e Paulo Garcez. O jornal continuou a circular pelas mãos de Martha Alencar, Millôr Fernandes, Henfil e Miguel Paiva.

Escritores e artistas se ofereceram para apoiar o jornal. De modo que ele continuasse a circular. Antônio Houaiss, Albino Pinheiro, Chico Buarque, Glauber Rocha, Sérgio augusto, Alex Viany, Odete Lara, Danuza Leão, Hugo Carvana, Hugo Bidet, Carlos Heitor Cony, Carlinhos de Oliveira.

Glauber bradava na redação: “Meu Deus, quatro semanas que a redação do Pasquim é uma tristeza. Não vejo a hora de todos retornarem a seus postos neste que é o mais bacana de todos os jornais do mundo. Para eu voltar para meu lugar, fazendo umas dicas sobre cinema brasileiro, cuidando de minha úlcera e de minha desgraça”.

Na imprensa brasileira, nem uma palavra sobre as prisões dos jornalistas do Pasquim. Já o New York Times produziu matéria longa sobre o jornal. Acentuando sua posição política, sua evolução nas bancas e o nível intelectual dos colaboradores.

A ¨gripe¨, como passou a ser chamada a fase em que a redação do jornal esteve desfalcada, cessou em dezembro. Desde que os detidos assinassem uma declaração registrando não ter recebido nenhuma ofensa física ou moral durante o período em que estiveram presos. Todos assinaram. Menos um: Tarso de Castro. Ganhou cinco dias de solitária.

Na edição 84, de 11 de fevereiro de 1971, foi publicada entrevista com Caetano Veloso. O último trabalho de Tarso de Castro no jornal. Pergunta final. Tarso indaga a Caetano:

– Você é um ídolo. Acho muito bacana porque você sabe muito viver dentro desse troço sem criar ritmo de loucura.

Caetano responde:

– Na verdade, nós todos aqui somos celebridades no Brasil. Você está na mesma situação que eu e está aí da mesma forma que eu. As dificuldades que a gente tem são dificuldades reais, as outras pessoas têm outras dificuldades.

(Continua).