Se a Constituição não permite a criação de benefícios destinados a pessoas físicas em ano eleitoral, precisamente para evitar a compra explicita de voto, rasga-se a Constituição. Se a regra constitucional do Teto de Gastos proíbe o aumento real de gastos públicos em qualquer ano e não apenas no ano eleitoral, anule-se a Constituição. Para isso temos um Congresso irresponsável, leviano, imediatista e eleitoreiro. Esta foi a demonstração do Senado Federal que, recorrendo à declaração forçada de Estado de Emergência, aprovou o Projeto de Emenda Constitucional autorizando o governo a gastar R$ 41,25 bilhões de reais em transferência de renda nos meses que antecedem ao pleito eleitoral. A PEC aumenta o Auxílio Brasil para R$ 600 reais, o plano de emergência eleva o valor do vale-gás de cozinha, cria um auxílio para os caminhoneiros e taxistas, financia transporte público gratuito para idosos e reforça o programa Alimenta Brasil. O baú de bondades de Bolsonaro, em plena campanha eleitoral, foi aprovado em dois turnos pela quase unanimidade dos senadores, com apenas um voto contrário do senador José Serra.
Sim, os senadores também são candidatos, e não querem perder os votos dos beneficiados pela emergência. São generosos com os recursos públicos, mesmo agravando a crise fiscal e desmoralizando as regras constitucionais, desde que não mexam nos seus próprios interesses, como os bilionários recursos das emendas parlamentares (R$ 12,4 bilhões este ano), além dos R$ 18 bilhões das cínicas emendas secretas, outra forma de compra de votos com distribuição de recursos para projetos dispersos nos municípios, e mais 4,9 bilhões para financiar campanha eleitoral. Ninguém duvida da grave situação social da população brasileira, vítima do desemprego e da inflação, e da necessidade de proteção dos vulneráveis, embora o governo incompetente e irresponsável tenha culpa pelo tamanho da crise. Governo e Congresso não avançaram na reforma do Estado, que reduziria despesas primárias, e ainda aumentaram as dotações para as emendas e para a campanha eleitoral. As consequências virão no próximo ano, com o desmantelo das finanças públicas. Quem vai pagar a conta? Os mesmos pobres que estão recebendo agora estes benefícios. Conta que será mais pesada, caso definam o seu voto para presidente iludidos com as bondades eleitoreiras e mentirosas de Bolsonaro.
ABSOLUTA IRRESPONSABILIDADE FISCAL E JURÍDICA. PECS SÃO APROVADAS COMO SE MUDA DE ROUPA. NA MINHA OPINIÃO É UM RISCO A ESTABILIDADE CONSTITUCIONAL ESPERO QUE HAJA JUDICIALIZAÇÃO
O desprezo à constituição fica muito claro, quando se olha para o que está acontecendo do ponto de vista político. A invenção oportunista de um Estado de Emergência fake, que permite burlar e contornar princípios constitucionais que foram criados com o objetivo de garantir a equidade do processo eleitoral é escandalosa. Quanto à dimensão fiscal da medida, me desagrada muito ver esta questão ser levantada de forma massificada pela mídia e pelos analistas, sempre que se trata de fazer referência
às consequências de atos que, de uma ou de outra maneira (seja ela coerente ou não) podem contribuir para a superação – mesmo que paliativa, superficial e desprovida de sustentação – das terríveis dificuldades cotidianas enfrentadas por amplos segmentos da sociedade que buscam nada mais que sobreviver precariamente. Fica parecendo que o equilíbrio fiscal só é ameaçado pelos gastos sociais. Exonerações e isenções fiscais desmesuradas e mal explicadas muito raramente entram em pauta na mídia. Tributação regressiva. Regimes especiais de tributação, entre tantos outros fatores concentradores de renda, são assuntos reservados aos especialistas sobre os quais não se discute publicamente. No caso da PEC-Kamikaze, a questão fiscal não me parece ser central. Existe, mas é marginal. Fulcral e vergonhosa para tod@s nós, é mesmo a cultura dominante de desprezo generalizado pela Constituição.