No evento de confirmação da candidatura de Jair Bolsonaro a presidente da República, a primeira-dama, Michele Bolsonaro, afirmou que ele era um enviado de Deus. “Ele é um escolhido de Deus”, repetiu Michele. De imediato, qualquer brasileiro deveria perguntar: “Deus escolheu Bolsonaro para fazer o que?” Para ser presidente da República? Ela deveria saber que o Estado brasileiro não tem, nem deve ter, qualquer orientação religiosa. A Constituição define que o Estado brasileiro é laico precisamente para garantir a ampla liberdade de credo, a convivência e o respeito por todas as religiões, e mesmo por quem não tem religião (que são 10% da população brasileira). Mas se Deus tivesse que fazer uma escolha, parece muito estranho que não encontrasse nenhum brasileiro com dignidade e com algumas qualidades humanas. Não teria ninguém, neste grande país, melhor que Bolsonaro, seja lá para que propósito? Deus iria escolher uma figura tão desqualificada, um defensor da violência e da tortura, um propagador das armas, um demolidor da natureza, um homem debochado e desrespeitoso dos direitos humanos?
Os brasileiros religiosos deveriam indignar-se com a declaração grotesca de Michele Bolsonaro. Que, como sabemos, é apenas uma pequena parte da grande manipulação da religião no proselitismo político de Bolsonaro, uma exploração das religiões e da crença dos brasileiros como arma eleitoral, tentando convencer os incautos e desinformados de uma pretensa missão divina. Bolsonaro vive se reunindo com líderes religiosos, irrigando os cofres dos pastores com dinheiro público, e saindo pelo Brasil a participar de “Marchas para Jesus”, transformando as manifestações religiosas em um ordinário palanque eleitoral. Nesta semana, no Recife, em mais uma Marcha para Jesus, Bolsonaro vai ser ungido pelos pastores amigos com óleos e rituais evangélicos. A grosseira apelação religiosa de Bolsonaro é um desrespeito à laicidade do Estado brasileiro. Além disso, constitui um desrespeito aos brasileiros de todas as crenças, principalmente aos evangélicos, cujas igrejas estão sendo diretamente corrompidas pelas manipulações eleitoreiras do bolsonarismo.
Meu medo de manipulação religiosa por lideres autocráticos, em países em que o regime não é democrático ou sofre ataques que o fragilizam, vem não apenas de acompanhar a luta contra o Estado Islâmico, mas sobretudo por saber da história da Espanha, e como ela viveu sob a ditadura teocrática do General Francisco Franco até 1975. Também podemos aprender sobre o perigo de ditaduras misturadas de fanatismo religioso com os Aiatolás no Irã.