“Somos filhos da época
E a época é política.
Todas as tuas, nossas, vossas coisas
Diurnas e noturnas,
São coisas políticas”.
Wislawa Szymborska (1923 – 2012).
Sempre ouço música. Inclusive antes de dormir. É meu Rivotril. Tenho minhas preferências. Brahms, o concerto duplo. Beethoven, a nona sinfonia. Mozart, o concerto 40. Mas, esta noite é diferente. Estamos todos, os brasileiros, vindos de uma apuração eletrônica. Que ofereceu o resultado eleitoral três horas após o encerramento da votação. Três horas.
Foram quase quatro anos de agonia. Em que, diariamente, fomos expostos a formas diversas de conflito. Conflitos institucionais, políticos, florestais, orçamentários, étnicos, morais, de gênero, de vacinação.
Dias atrás, minha mulher observou que eu dirigia calado. E perguntou:
– Pensas em que?
– No Brasil, respondi.
– Como? ela insistiu.
– Sinto um peso por tudo quanto está acontecendo.
Encerrada a apuração e anunciado o resultado do pleito, é como se eu tivesse voltado ao meu país. Meu país conhecido. Vivido. Viajado. Estudado. Planejado. Trabalhado. Nas tarefas que experimentei no Recife, em Pernambuco e em Brasília. E, por isso, sou tão agradecido. Pelo que aprendi, pelo que conheci, pelo que experimentei, pelo que recebi. Pelo que me doei.
Voltei ao meu país ou meu país voltou a mim? Nem uma coisa nem outra. O país voltou a si. Uma espécie de processo, ao mesmo tempo, de ressurreição e de devolução. No qual estrangeiros começam a devolvê-lo aos povos nativos. Então, a partir das oito horas da noite, começou o concerto da democracia. O concerto cumpriu o seguinte programa:
1º movimento: o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lyra, dirige-se à população para dizer que é hora de aceitar o resultado das urnas. E que a nação deve dialogar para conciliar;
2º movimento: o presidente do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, ministro Alexandre de Moraes, oficializa os números oficiais e declara eleitos Luis Inácio Lula da Silva e Geraldo Alkmin;
3º movimento: o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, reconhece o resultado das urnas e acentua que é necessário promover a integração federativa, reunindo União, estados e municípios;
4º movimento: o presidente eleito, Lula, pronuncia, em quinze minutos, lido, seu discurso de posse. Sim, porque o que Lula leu foi um discurso de inauguração, inauguration, como dizem os americanos. E não foi fortuitamente. Foi pensado. Para que não pairasse, no vácuo ínfimo de interregno político, a chance de dúvida institucional. Na prática, quem falou não foi o candidato eleito. Foi o presidente da República, reconhecido pela Justiça eleitoral, certificado pela palavra do Legislativo e celebrado pelo verbo do Senado.
São onze e meia de uma noite histórica. Este foi meu concerto desta noite. Aguardei muito por ele. Sofri por ele. E vou parar por aqui. Cansado. De corpo e alma. Mas, confortado. Esperançoso. Na tessitura de antigas canções de fazeres memoráveis. Sacados na memória. Para ouvir o futuro.
Vou reproduzir uma frase dita por Lula. Que me tocou, como brasileiro. Como caminhante que sentiu, lá fora, a simpatia pelo Brasil. Disse Lula:
“Ouvi que o mundo sente saudade do Brasil”.
Certamente, saudade da amorosidade brasileira. Do espírito lúdico do brasileiro. Da inspiração artística. Da afetividade brasileira. Voltaremos a oferecê-las. Como rosas civilizatórias, jardineiros que somos, desta praça tropical.
Belíssimas palavras. Traduziram, com delicadeza e propriedade, nossa euforia.