Rousseau (1712-1776) não viveu o suficiente para acompanhar a Revolução Americana (1776). E também não, a Revolução Francesa (1789). Mas, nem por isso, ficou ausente das sementes intelectuais que as produziram.
Primeiro, ele defendeu a igualdade entre os homens. Depois, ele defendeu a soberania do povo. E também defendeu a liberdade. Na perspectiva do esforço em favor do interesse coletivo.
Portanto, proclamou o trinômio igualdade, soberania popular e liberdade.
Para dar consistência a suas ideias, ele enfeixou os conceitos na noção de contrato social. Um pacto entre as pessoas traçando condições visando organizar uma sociedade funcional. E democrática. Ou seja, como disse um filósofo, nenhum homem é uma ilha. E a sociedade só avança na medida em que pactuar valores, tradições, sentimentos, fazeres.
Isto, ainda no século 18. Antes das duas grandes revoluções políticas do mundo moderno. Quando ainda não amadurecera a semeadura Iluminista da razão contra o dogmatismo. Quando ainda não se debatera o Espírito das Leis, de Montesquieu. Na qual o gênio francês fixou a trilogia de Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Nesse sentido, Rousseau foi um precursor. Com larga antevisão do processo político. Como se tivesse um radar institucional. Capaz de perceber, com sensibilidade especial, o desenho do futuro. Ou dos futuros. Pois ele falou sobre igualdade, soberania, liberdade, contrato social, coletividade, justiça. Que repertório.
Pois bem. Eu sempre gostei de ler obras que arrematam o pensamento dos filósofos e doutrinadores. Porque elas trazem as lições dos anos. Elas carregam o sumo da experiência dos autores. Talvez seu momento mais denso. Possivelmente, o cume mais elevado da cordilheira vital.
Por isso, li Devaneios do Caminhante Solitário (Editora Unesp, 2022, São Paulo). O último de seus livros. Uma espécie de testamento político. No qual acentua o conhecimento de si e do outro. Para pacificar a alma. Como se fora uma revisão do pensar e do fazer. Apreensão do próprio roteiro. Num outro patamar da existência. Sem máscaras. Ponto final de caminhada. Onde o sentimento é apenas o de existir. Reconhecendo-se a si mesmo. Usufruto de aprendizado.
São dez textos. No primeiro deles, Rousseau destaca três aspectos de sua obra. O primeiro aspecto é ter compreendido seus limites e suas possibilidades como autor. Adequar-se à perspectiva histórica, como pessoa e como intelectual.
O segundo aspecto é a perspicácia de situar seu pensar passado no contexto do presente. E, dessa forma, reelaborar o vivido. E, conscientemente, avaliar sua trajetória, seu voo, sua fronteira. Sem atalhos. Mas com a verdade oriunda das cãs cobertas de neve do tempo.
O terceiro aspecto é a escolha do nome: devaneios. Pois, segundo ele, os dez textos não constituem ficção, romance. O que determinaria a existência de um objeto. Mas, ao contrário, configuram uma reflexão sobre si próprio, um caminhante. Com o peso de sua responsabilidade social. E a beleza do senso democrático de construção coletiva.
Na plenitude da consciência, declara que purificou o coração na adversidade. E busca circunscrever o alcance da obra. Dizendo que, enquanto Montaigne escreveu seus Ensaios para os outros, ele, Rousseau, escreveu os Devaneios para si, para sua resignação. Ainda assim, mesmo caminhante solitário, foi capaz de semear densa floresta. De ideias modernas. Pactuadas socialmente.
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