“A festa acabou, a luz apagou,
O povo sumiu, a noite esfriou,
E agora, José ?”. ( Carlos Drummond de Andrade.)
Dá o que pensar. As modificações introduzidas pela comissão na Medida Provisória da estrutura do governo federal. Só será possível começar a entendê-las olhando o contexto da gestão Bolsonaro. E suas relações com o Congresso Nacional.
Sob Bolsonaro, a governança do país foi entregue ao Poder Legislativo. Na pessoa do dep. Artur Lira, presidente da Câmara. Por quê? Por duas razões: o ex-presidente não tinha o gosto de gerir, enfrentar problemas, discutir soluções. Seus gostos eram outros. Em segundo lugar, na presença ausente do ex-presidente, cresceu o prestígio e o poder de influência de Lira. A ponto de o Executivo admitir a existência de um orçamento secreto gerenciado pelos líderes partidários.
A consequência é que os parlamentares ficaram acostumados a exercer inédita fatia de poder republicano. Quando Lula, eleito, assumiu o governo, criaram-se um contraste e um déficit:
1º. Um contraste político, funcional, porque a maioria do Parlamento é de centro-direita. Enquanto o governo é de centro-esquerda. O resultado é que falta ao governo base parlamentar que lhe dê sustentação no Congresso. Como ocorreu, ontem, na alteração da Medida Provisória;
2º. Um déficit de governabilidade, porque o exercício da política no Congresso está impregnado de elevada taxa de intolerância e ideologização. Notas dominantes da campanha. E não desligadas quando a eleição acabou. Então, nesse clima, falta governabilidade e sobra exaltação.
É oportuno desenhar um inventário crítico de fazeres nos cinco meses do governo. Começando pelo presidente Lula. O presidente cometeu dois erros. Um na gestão interna; outro, na gestão externa. Na gestão interna, ele olhou para trás. Querendo reanalisar Eletrobras, marco do saneamento e autonomia do Banco Central. Três assuntos já legislados pelo Congresso. Artur Lira tomou boa nota da intromissão de Lula em temas já promulgados pelo Parlamento. E publicados no Diário Oficial.
Ah, é assim? Então, vai ter troco. Vamos tirar a demarcação de terras indígenas do ministério próprio. E mexer no sistema da política ambiental.
O segundo erro do presidente foi na gestão externa. Admitir que Rússia e Ucrânia estão em igualdade de postura ética e de soberania nacional? Mas não terá sido a Rússia país agressor e a Ucrânia nação agredida? Por outro lado, como admitir desalinhamento a todo conjunto de países ocidentais, com os quais mantemos relações históricas, diplomáticas e econômicas? O fato é que o presidente ficou no ar com a brocha na mão. Talvez um ego mais realista ajudasse.
E agora, José?
Os fatos recentes impõem ao governo a revisão de sua teoria. Para ajustar sua prática. Na teoria estão os insumos de governança: cargos e verbas. Na prática, estão os produtos de governabilidade: aprovação de projetos governamentais e funcionalidade da máquina administrativa. Evidente que urge uma reforma ministerial.
Concluo com Carlos Drummond de Andrade:
“Com a chave na mão, quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar, mas o mar secou;
Quer ir para Minas, Minas não há mais.
José, e agora?”.
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