A esperança sempre surge nas crises. E assume formas. Nomes. Movimentos.

Na França de Albert Camus e Jean-Paul Sartre, nos anos 1950-60, foi o existencialismo. Na Itália pós fascista dos 1950, foi o neorrealismo no cinema de Federico Fellini e Vitorio De Sica. E na literatura de Alberto Moravia.

Na Alemanha de Walter Benjamin, Adorno e Jurgen Habermas, nos anos 1950, 60 e 70, foi a teoria da crítica social da Escola de Frankfurt. Nos Estados Unidos de Andy Wharol, e das canções de protesto contra a guerra do Vietnam de Janis Joplin, nos 1960 e 70, foi a Pop Art. E foi o festival de Woodstock.

No Brasil, o processo foi mais lento. Porque as forças sociais, em países desigualmente desenvolvidos, atuam com menor eficácia. Por isso, o processo começou na Semana de Arte Moderna de 1922, com Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Manuel Bandeira e Vicente do Rego Monteiro. E desaguou em movimentos de renovação da música, Bossa Nova. E do cinema, Cinema Novo, nos anos 1950 e 60.

Mas, o fato é que, por trás da crise social, está o mistério da esperança. Driblando o dilema entre pessimismo e otimismo. E buscando a beleza. Na arte. Para superar a agressividade dos tempos modernos, desumanizados. Por conta da tecnologia, do consumismo, do egoísmo. A arte é uma pastoral que enfrenta o robô.

Na prática, trata-se de libertar o homem. De si próprio. De seu embevecimento com os mitos do mundo digital. Como escreveu Kafka, contra o mito use a astúcia. Ou como disse Fernando Pessoa, o mito é o tudo que é nada.

A saída é a arte. Seja na lírica de Baudelaire. Na delicadeza de Rostropovich. Na maestria de Martin Scorsese. Na precisão de Daniel Barenboim. Arte é outro nome para esperança. Porque liberta. E, no exercício da liberdade, cria. Muda. Transforma. Transita. Concretizando a beleza.

A era contemporânea traz dois sinais trágicos: a pobreza, fruto da desigualdade social. E a guerra, resultante da iniquidade humana. A pobreza é, no destino, fenômeno coletivo. E a guerra é, na origem, fato individual. Porque determinado pelo vazio de algum insensato. Como explicar a existência da fome ? Num mundo em que milhões de toneladas de carne estão estocadas ? Como justificar a violenta invasão da Ucrânia com a morte de centenas de civis ? Vida longa à Kiev ucraniana.

A arte não se explica como protesto. Mas como expressão de lucidez. Que se opõe, contrapõe. E supera. Vence o pensamento negativo. Derrota a negação. Na negação de princípios ou da ciência, o primeiro derrotado é quem nega. Porque não enxerga. Ou porque se acomoda no fanatismo do auto-engano.

O argumento desenvolvido, aqui, é para saudar o resgate dos programas e dos recursos destinados à cultura brasileira. Porque a primeira recusa do autoritarismo é para a cultura. É para a inteligência. Basta recordar o diálogo entre Picasso e um representante da ditadura de Franco. Estavam ambos diante da Guernica, tela pintada pelo artista. Que retrata a destruição mortífera da cidade espanhola. O oficial espanhol pergunta:

– Quem fez isso ?

– Foram vocês, respondeu Picasso.

O principal benefício das leis de apoio à cultura não está na imprescindível geração de emprego e renda. Mas está na essencialidade da beleza. Beleza é outro nome da esperança. Especialmente num país metarracial como o Brasil. Lúdico. Rítmico. Risonho. Que gosta de abraçar. De cantar. De compor. De dançar.

Há também outro benefício nas leis de apoio à cultura: oxigênio para a democracia. Porque, na democracia, existe teatro, cinema, imprensa, livro, vídeo. Veículos pata expressar a liberdade de pensamento. E quando há meios para expressar o pensamento, a democracia está em vigor.

Em Moscou, quando Gorbachev e, depois, Boris Iéltsin patrocinaram a perestroika russa, o primeiro espetáculo público foi um concerto. Na praça Vermelha.  Regido por Rostropovich. E, em Kiev, no sexto mês do bombardeio contra a Ucrânia, uma fração da orquestra filarmônica da cidade tocou para duas dezenas de ucranianos. A arte, na forma da música, reflete o espírito do povo. E sua capacidade de resistir.