Acabo de assistir Luzes da Ribalta. Alguma coisa, lá dentro, me levou a sintonizar o canal. À medida que o filme se desenrolava, eu percebi a inspiração que me conduzira a Chaplin. Há cinquenta anos, na casa de Santa e Odorico, meus avós, eu parava toda vez que ele chegava com um disco.
Tirava o paletó, desfazia o embrulho, botava na radiola. E começávamos a ouvir. Sempre me explicava o que estava tocando. Lembro de suas preferências: Chopin e valsas vienenses. Mas, naquela ocasião, era Luzes da Ribalta. Eu fiquei encantado com a melodia nostálgica. A repetição do filme, hoje, me transportou à cena familiar. Valeu.
O filme trata do encontro entre um palhaço (Chaplin) em final de carreira. E uma bailarina (Claire Bloom) que começa um projeto de sucesso. A mim, a estória acentuou três leituras: a primeira, generosidade. Do palhaço Calvero, cuidando da saúde da bailarina, Terry. Depois, a generosidade dela zelando pela saúde dele. Nada mais ligado à vida, e ao que ela representa, do que a generosidade.
A segunda leitura, a corajosa catarse de Chaplin, por meio do personagem do filme. Mostrando não só sua arte, mas também sua capacidade de se desnudar como um todo. Desde o píncaro do êxito, no cinema mudo, até a planície do crepúsculo, no cinema falado. Enredo poderoso.
A terceira leitura, o contraste entre gerações que saem (o palhaço Calvero) e as que chegam (a bailarina Terry). Que é o fermento da vida. A semeadura da renovação. A prova de que entre história e sonho está a mudança. Albert Camus, escrevendo sobre sua viagem ao trópico, acentuou que o contrário de um povo civilizado é um povo criador. Brasil.
A propósito de mudança, reli, esses dias, as biografias de Lincoln e de Churchill. E, ao alongar o olhar para a várzea do Capibaribe, pensei. E encontrei uma afinidade entre os dois líderes. Lincoln, enfrentando seu gabinete, assinou em janeiro de 1863, a proclamação da abolição da escravatura. Propiciando a demissão do general McLeland e a vitória sobre os confederados.
Por seu turno, Churchill também enfrentou seu gabinete. Que queria um acordo com Hitler. O que teria levado o Ocidente e a democracia para o buraco. O primeiro-ministro britânico lutou praticamente sozinho contra os nazistas, de 1939 a 1942. Pois Roosevelt somente entrou na guerra após o ataque dos japoneses em Pearl Harbor. Para não perder votos de americanos que não desejavam o ingresso dos EUA no conflito.
Passando pela tv, para buscar café, vi o noticiário sobre a reforma tributária. Lembrei de outubro de 1965. Da lei 5172, que aprovou o sistema tributário vigente. Gente: são 58 anos. O país tem uma lei tributária mais que cinquentenária. O projeto, então, foi de autoria de Rubens Gomes de Souza. Vivia-se o começo da ditadura. A aprovação no Congresso foi formal. É o que temos, hoje. Para a época, um avanço. Introduzindo a noção de valor agregado. Agora, precisa ser urgentemente substituída.
Pelo que ouvi, um esforço solidário reuniu ministro da Fazenda, presidente da Câmara e governador de São Paulo. Adversários entre si. Mas dialogais num projeto de interesse para a economia nacional. Saímos, em 1985, da ditadura para a democracia. Absoluta. A vida é generosa. Feita de encontros. O escritor mexicano, Octavio Paz, escreveu que “a linguagem do homem é um grão apenas, mas pode mudar o mundo”.
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