Depois de anos de vergonha nacional com a mediocridade e o negacionismo primitivo dos discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, os brasileiros assistimos com orgulho à fala do presidente Lula da Silva na sessão que inaugurou os trabalhos da organização neste ano. Como deve ser na abertura oficial da Assembleia, Lula falou para o mundo, abordando os grandes desafios sociais, econômicos, ambientais e geopolíticos do planeta.
É isso que se espera do Brasil, país que tem o privilégio de abrir os trabalhos anuais da ONU. Ninguém quer saber do Brasil, menos ainda aguentar os autoelogios, quase sempre falsos, do próprio governo brasileiro. Quem pronuncia o discurso de abertura da Assembleia deve apresentar uma pauta de discussões da organização, ressaltando o que, de fato, constituem os problemas a serem enfrentados pelas Nações Unidas. Lula falou do Brasil, e até procurou apresentar o seu governo, mas concentrou sua fala nos pontos centrais que ameaçam a paz, a segurança, a democracia e a sustentabilidade do planeta: crise climática, desigualdade, persistência da fome e emergência do autoritarismo. O presidente brasileiro advertiu para a enorme lentidão nas medidas que levariam às metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, defendeu a responsabilidade comum pelo futuro do planeta, e destacou que cabe às nações desenvolvidas a contribuição maior pelo enfrentamento dos grandes desafios globais.
Entretanto, num pronunciamento quase perfeito, não poderiam faltar os velhos cacoetes do esquerdismo senil do presidente, evidenciando algumas contradições e equívocos. Quando Lula fala da crise climática, afirmando que os países em desenvolvimento não querem repetir o modelo de degradação ambiental dos ricos, ele parece esquecer que a China, a Rússia e a Índia estão entre os maiores emissores de gás de efeito estufa do planeta.
A mesma confusão fica evidente quando o presidente faz a defesa da democracia e da liberdade de imprensa, esquecendo que os seus grandes aliados nos BRICS – China e Rússia – são sistemas autocráticos que controlam e imprensa e perseguem jornalistas. O presidente ainda afirmou, sem qualquer fundamentação, que o crescimento da direita no mundo seria uma consequência do “fracasso” do neoliberalismo. “Em meio aos seus escombros (neoliberalismo) surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas”, declarou o presidente. No caso concreto do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos e da Europa (merecem outra análise), o surgimento da extrema direita bolsonarista decorre de um processo de degradação da política e da rejeição ao lulismo e ao petismo, associados à corrupção, ao fracasso do estatismo, e aos excessos do “identitarismo” que incomodam a classe média.
Por último, o presidente Lula destacou, corretamente, que o princípio da igualdade soberana entre as nações vem sendo corroído; mas se recusou a identificar a invasão da Ucrânia pela Rússia como uma grave violação dos postulados da Carta das Nações. Segundo ele, a culpa é coletiva (que não conseguiu evitar a invasão), e não da Rússia, país invasor que violou os princípios da Nações Unidas e o respeito ao território de um país soberano.
Mesmo considerando estas contradições e equívocos, o pronunciamento do presidente Lula recuperou o orgulho dos brasileiros e a respeitabilidade do Brasil no cenário internacional.
Com 20 linhas de elogio e 23 de critica fiquei surpreso com. conclusão.
Pois é, Elimar. Sob pretexto de imparcialidade, esta revista está virando cada vez mais à direita… Lembra do seu artigo sobre economia sustentavel, como ele foi abafado?
Desculpe me Ciro mas não tive nenhuma artigo meu “abafado” pela revista Será? Nem acho que ela tenha caminhado para a direita. Discordo de muitas das ideias aqui expostas, mas seus “membros” são pessoas íntegras, democráticas e detentoras de um belo currículo em defesa da democracia. Aliás, é um dos poucos espaços neste país em que a discordância é tida como um valor, quando realizada de forma educada. Recentemente ministrei um curso pelo IEPfD, do qual a Será? faz parte, com Gustavo Krause, ex prefeito do Recife, ex-governador e ex-ministro do Meio Ambiente. Eu e Krause durante longos anos estivemos em lados opostos do campo politico. Hoje, com o amadurecimento, nos aproximamos, sem esconder as ainda persistentes divergências. Foi um curso maravilhoso, em que descobri ter muito mais convergências do que divergências com o Krause. E me encantou a forma elegante como ele se manifestou quando tínhamos alguma pequena divergência. Hoje o admiro como politico e intelectual. Esse é o espaço da revista Será?