“O que é você ? Conservadora ? Liberal ? Não sei. Nunca soube. A esquerda pensa que sou conservadora. Os conservadores pensam que sou de esquerda. Não penso que as verdadeiras questões serão esclarecidas dessa maneira”.
Hannah Arendt, filósofa alemã (1906-1975).
Tenho dedicado estudo ao conceito de Pernambucanidade. Desde as noções clássicas de Oliveira Lima e de Nilo Pereira. Até o pensamento moderno de Josué de Castro e Mauro Mota. Nós, pernambucanos, somos provincianos e provinciais. Provincianos no sentido de observar o passado. E provinciais na direção de olhar o futuro.
Ao longo do tempo, definimos duas escolas políticas: a de exaltação e a de conciliação. A de exaltação, no Império, com Frei Caneca. E, na República, com Agamenon Magalhães. A escola de conciliação, no Império, com o marquês de Olinda. E, na República, com Marco Maciel.
Luis Delgado, em Vozes e gestos de Pernambuco, escreveu que Pernambuco tem um terceiro tom. O senso do fazer. A capacidade de resolver problemas. Ele cita Gervásio Pires Ferreira. Que, entre 1821-22, pacificou a província. E eu cito Cid Sampaio. Que, em 1958, substituiu o vocabulário rural do estado pela linguagem industrial.
A Pernambucanidade não é uma peça solta no espaço. Mas está colada ao tempo. E ao Movimento Regionalista de 1926. Liderado por Gilberto Freyre. Porque a Federação, antes de ser coleção de estados, é afirmação de regiões.
Pois bem. No contexto do Nordeste, a Pernambucanidade acentua duas fontes: a ação, a capacidade insurgente, revolucionária e, mais adiante, reformista (1817, 1824, 1848). E a reflexão, o talento para produção intelectual, científica, artística. Agir e pensar. Nesse pensar e agir, a Pernambucanidade cultiva as tradições, que fazem do pernambucano um ser singular no coletivo nacional.
Essa singularidade foi confirmada com a eleição de uma chapa feminina para governar Pernambuco: Raquel Lira e Priscila Krause. Como explicar o voto ao feminismo numa cultura machista ? A Pernambucanidade explica: é o senso do pensar. E, depois, fazer. É a capacidade de mudar.
Esse sentir, a mim, foi confirmado na entrevista que Raquel Lira deu à Folha de São Paulo, domingo último. Esperei até hoje repercussões. Não as vi. Podem ter sido feitas. Podem vir a ser feitas. Mas, até agora, há um silêncio peculiar. Pernambucano. Por isso, resolvi escrever. Porque há tempo um governante pernambucano não ocupava página inteira da Folha num domingo.
Reuni um conjunto de reflexões da governadora:
1 Continuo no PSDB. E acho os tucanos não devem fazer oposição ao presidente Lula;
2 O governo Lula tem política pública fundamentais, como o Bolsa Família o Minha Casa, Minha Vida;
3 A gente está tentando fazer política de um jeito diferente;
4 Construir alianças é fundamental para garantir governança;
5 A gente tem construído uma relação consistente com o governo federal;
6 Este é um momento em que a gente precisa ter muita cautela no Brasil;
Deixei para o final a acentuação da seguinte afirmativa da governadora: “A gente sofre assédio moral todos os dias. Violência política todos os dias. Existe um machismo estrutural. Por algum tempo, não consegui falar sobre isso. Mas, agora consigo”.
Que declaração bonita da governadora. Que franqueza. E que coragem. Ao mostrar um constrangimento, que aparentemente, fragiliza, mostra força. Exibe energia e domínio que, todo aquele que governa, precisa exercer.
Esta crônica tem duas direções: de um lado, romper com o silêncio de ferro, tecido com os fios do machismo, em relação à entrevista da governadora. E, de outro lado, ressaltar que Pernambuco pensa. E fala. Em dimensão nacional. Como há tempo não fazia. Não só pensa e fala. Como o faz com equilíbrio político. E sensatez. Artigo raro no país atualmente.
Mais uma vez Luiz Otavio diz as coisas como elas devem ser ditas. Com clareza e precisão. Só nos resta subscrevê-lo.