XIX Congresso Internacional do Fórum Universitário do Mercosul- FoMerco. Foi em João Pessoa. Cidade muito aprazível. Para lá fui conferir.

Encontrar amigos, entender um pouco melhor um momento complexo em que as orientações políticas do Bloco mudam e podem trazer conseqüências para seus participantes, saber dos caminhos de integração em época em que a globalização econômica é relativizada por aspectos políticos, ideológicos, culturais, entre outros, meus principais objetivos. Enfim, compreender um pouco do que o cenário internacional pode representar para um país como o Brasil.

Tinha participado nos primórdios do Fórum. Antes de começarem os Congressos. No fim dos anos 1990. Lembro de o jornalista Gui de Almeida, principal idealizador, vir a Recife para elaborarmos os estatutos e o regimento que levaram ao primeiro Encontro em 2000. Gui era muito amigo do Padre Paulo Menezes, nosso coordenador no Núcleo de Estudos para a América Latina da Universidade Católica. Viveram no Chile como exilados, e tinham o sonho de uma Latino-América fortalecida e mais justa.

Blocos econômicos, em geral, se formam para uma maior integração que possa aumentar o comércio e as relações econômicas entre países, além de dar maior competitividade a estes no cenário internacional, aproveitando vantagens competitivas existentes, além de permitirem escalas que melhor os posicionem nos mercados internacionais.

No entanto, a unidade na diversidade não é simples, não se constrói facilmente. Sempre há divergência de interesses a serem conciliados. 

Se por um lado pode haver aumento de comércio e investimentos, que repercutem em mais emprego e renda, fundamental é entender que os interesses divergentes, além de uma perda necessária de autonomia nas decisões individuais das nações, podem trazer dificuldades com grupos de poder dos diferentes países participantes. Sem falar nas mudanças burocráticas e de rotinas, que não são aceitas com facilidade.

Com esse cenário implícito, os debates ocorridos foram ricos e bem proveitosos. 

Uma discussão pertinente, dada a mudança recente dos rumos da Argentina, é se a estratégia de fortalecimento do Bloco seria mantida ou se partiria para acordos bilaterais, principalmente com os americanos.

Reconhecendo-se que democracias têm alternâncias de posições políticas, e que estas devem ser respeitadas, pontos me chamaram a atenção. Por que o Brasil não saiu do Bloco no governo Bolsonaro? Evidentemente foi enfraquecido o Bloco, mas ele continuou. 

Uma palestra elucidativa mostrou que em todo bloco há regras de entrada e saída, há prazos e acordos vigentes. Denunciá-los é possível, mas não é automático, o tempo é necessário, o que dificulta em muito a saída imediata por aspectos burocráticos. Isso faz com que até se possa relegar a um segundo plano a participação, mas se evite o processo de saída total. 

Há também interesses concretos de grupos econômicos dos países em continuar participando. Estes têm poder de pressão, que traz dificuldades políticas para a denúncia explícita. 

Houve um consenso em mostrar que a Argentina, e mesmo o Uruguai, optarão por um fortalecimento do bilateralismo, principalmente com os Estados Unidos, e uma redução de suas atividades no fortalecimento do Bloco. Também que há espaços de negociação para manter a concepção do Regional, e que devem ser aproveitados. Esses dois movimentos são fundamentais para o futuro do Mercosul.

Interessante entender melhor a ideia de uma moeda comum no Mercosul para as atividades de trocas entre os países e o comércio intrabloco. Facilitaria em muito a retomada da integração regional. Lembrar que, embora o comércio atual entre os quatro países principais do Mercosul, em 2022, tenha atingido 46 bilhões de dólares, o que não é pouco, já foi de mais de 50 bilhões em 2012. Há muito espaço para crescimento, e a adoção dessa medida quanto à moeda de referência pode ser caminho seguro para a expansão. No entanto, reconhece-se, dada a conjuntura geopolítica, a dificuldade de ser adotada neste momento.

Muito se discutiu sobre as dificuldades de abdicar da autonomia de decisão dos países em prol da maior pujança do Bloco. Algo que poderia ser feito meses atrás, mas que se torna difícil agora. Chegar a consensos necessários se tornou mais problemático.

Discutir a integração Mercosul-União Europeia era ponto importante do evento. Ter ciência do porquê se arrasta faz tanto tempo, mais de dez anos, essa tentativa de acordo muito relevante. Sem dúvida há ganhos, mas também muitas dificuldades e pontos difíceis de negociação. Três me chamaram muito a atenção.

Em primeiro lugar, o que se refere à eliminação da tarifa de importação. O Brasil, para produtos industriais, cobra uma taxa de 16,5% em média, enquanto a União Européia de 1,5%.  Em outras palavras, a entrada de produtos europeus seria muito barateada, o que ameaça em muito uma indústria já combalida, em anos recentes, como a brasileira. Teríamos um impacto negativo preocupante, caso não seja negociado melhor o tema.

Um segundo ponto se refere à agricultura. Nosso agribusiness poderia se beneficiar da expansão de mercado, mas teríamos forte impacto sobre a agricultura familiar. Os subsídios dados pelos países europeus aos produtores locais são imensos, e não há nenhuma perspectiva de serem diminuídos. Isso faria com que os produtos vindos de lá pudessem chegar a preços muito competitivos, podendo desestruturar parte de nossos pequenos agricultores.

Por fim, outra preocupação se prende às compras governamentais e às empresas estatais ou de economia mista. Teriam que fazer suas compras a preços de mercado, e em licitações públicas. Programas de estruturação de fornecedores, muito importante para as pequenas e microempresas nascentes, em setores estratégicos, estariam inviabilizados. Essas regulamentações poderiam ter forte impacto no emprego e na inserção das empresas locais. Em outras palavras, o acordo poderia inviabilizar o uso das nossas grandes estatais para políticas de consolidação setorial e de entrada de empresas nacionais em segmentos onde ainda temos muita debilidade.

Outros aspectos apontados mostraram a importância do aprofundamento das negociações em busca da defesa dos interesses nacionais. Ressalto, não são aspectos intransponíveis, mas as negociações, até o momento, não apontam para ações que garantam interesses nacionais, para uma maior pujança no desenvolvimento com inserção de empresas locais.

Saí do encontro com a firme impressão de que as estratégias de inserção e de relações internacionais são fundamentais para a definição de um modelo de desenvolvimento adequado ao país. Muito provavelmente, o mundo tripolar, em que Estados Unidos, China e União Europeia lideram e disputam a hegemonia, exige maior atenção e melhor negociação para uma inserção que realmente nos interesse.