A expressão modernidade é do romancista Balzac. Em 1823. Há dois séculos, portanto. E quem a impulsionou foi o poeta Charles Baudelaire. Que disse: “É preciso ser rigorosamente moderno”.
A modernidade nasceu e cresceu em berço Iluminista. Abraçada a um legado racionalista de filósofos franceses. Acolhida pela burguesia mercantil europeia nos anos 1900. E enlevada no pensamento alemão da Escola de crítica social de Frankfurt, no século 20.
Na primeira etapa de seu desenvolvimento, século 18, duelou com o dogmatismo da Igreja. Pintores, como Rembrandt e Caravaggio, inauguraram a feitura de trabalhos profanos. Com exposição realista de corpos em sangue. Na segunda etapa, século 19, veio o crescimento urbano. E a expansão do comércio. As cidades se afirmam como polos de serviços, do novo. A burguesia se notabilizou como expressão de poder.
Na terceira etapa, veio a paixão pela modernidade. Três primeiras décadas do século 20. Tecnologia, internet, diversidade cultural, globalização, populismo, combate à desigualdade e ao racismo, E, ao lado da noção singular de cidadania, surgiu o conceito coletivo de humanidade. Depois do cidadão, titular de direitos, é a vez da temática plural. Que apreende as exigências do ambiente. E o funcionamento da democracia. Valores da natureza e da convivência que dizem respeito à salvação do planeta. E da liberdade.
É nesse contexto que cresceram de importância as mídias, a informação, o conhecimento, a cultura, as políticas públicas. A ideia Hobbesiana do Estado moderno, com a qualificação do liberalismo de Locke, exigiu novas agregações. Com a genialidade de Montesquieu. E sua concepção de tripartição do poder em Executivo, Legislativo e Judiciário. A relevância da institucionalidade. Contra o autoritarismo, o golpe de Estado.
Na esfera da cultura, a arte refletiu as tensões próprias de um mundo instável. A Noruega mostrou Edward Munch, e O Grito (1893). Robert Musil apresentou O Homem sem Qualidades (1930), descrevendo as transformações da sociedade e as contradições do capitalismo. Na pintura, Van Gogh e Picasso exibiram, no impressionismo e no cubismo, a beleza surpreendente das mudanças.
Na Espanha, a arquitetura de Antonio Gaudi projetou a ousadia de catedrais clamando aos céus. E a concepção funcionalista da arte. Na Alemanha, a Escola de Frankfurt sacudiu a crítica social com o quarteto Theodor Adorno, Horkheimer, Walter Benjamin e Jurgen Habermas. Primeiro, com a Dialética do Iluminismo, entre Adorno e Horkheimer (1947). Depois, com questões tais: o que ocorreu para que a razão se convertesse em instrumento de opressão? A razão se torna técnico-instrumental a serviço de uma civilização que alcança a barbárie?
Por sua vez, no Brasil, a modernidade, venceu três etapas: a etapa fundadora (1930-50), a etapa de afirmação de valores (1950-85) e a etapa de restauração de princípios (1985 em diante).
Etapa fundadora.
O Brasil moderno foi fundado por Getúlio Vargas. Estruturou o Estado, criou o Ministério da Educação, aprovou os direitos trabalhistas. E, no comando da revolução de 30, substituiu a oligarquia do café com leite. Lançando as bases de um trabalhismo que anunciava o binômio mão-de-obra / urbanização.
Esta primeira etapa foi consolidada por Juscelino Kubitschek. Que promoveu a industrialização automobilística, patrocinou a descentralização das atividades públicas com a construção de Brasília. E contribuiu, com paciente tessitura política, para o fortalecimento da ideologia democrática.
Na arte, ocorre o mais importante evento da cultura brasileira: a Semana de Arte Moderna de 22. Com Mario de Andrade, Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Manuel Bandeira. E o Movimento Regionalista, de 1926, coordenado por Gilberto Freyre e um representativo grupo de intelectuais e cientistas do Nordeste.
Etapa de afirmação.
A segunda etapa (1950-85), de afirmação de valores, conteve também contradições sociais e políticas. O futebol foi tricampeão mundial (58, 62 e 70), a música foi reinventada na Bossa Nova e enriquecida no tropicalismo de Gil, Caetano e Betânia. E a arte foi acrescida com a criação do Museu de Arte Moderna – MASP, os parangolés de Hélio Oiticica e o abstracionismo de Tomie Ohtake.
Mas foi também a etapa em que ocorreu o golpe de 64. E o país conviveu com as sombras do arbítrio. Durante 21 anos. Para, finalmente, viver a aurora democrática em 1985. Com processo de elaborada arquitetura envolvendo avanços e recuos na distensão segura, lenta e gradual. E a costura política de dois mestres da arte de produzir o impossível: Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. O sol da democracia trouxe uma Assembleia Constituinte e a Constituição de 1988.
Etapa de restauração.
A terceira etapa é de restauração de princípios, 1985 em diante. É o tempo de consagrações. Na arquitetura, o reconhecimento internacional de Oscar Niemeyer. Na literatura, a admirada invenção estilística de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Na música, o brilho mundial de Tom Jobim. E a declaração Camoniana de afeto português ao compositor, escritor e poeta Chico Buarque.
A mais sofrida e celebrada consagração foi a da urna. Urna eletrônica. Atacada pelo autoritarismo de uns e a bobice de outros, saiu vitoriosa. Com apoio da maioria. E o suporte institucional do Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
Agora, a modernidade brasileira enfrenta seus futuros possíveis.
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