Abstract

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Devo começar por uma questão acessória: por que optei pela forma paroxítona do primeiro conceito aqui abordado, quando tantos escritores – entre eles, Arnaldo Jabor, antigo companheiro da UNE e do CPC (Centro Popular de Cultura) – adotam a alternativa proparoxítona oxímoro?  Simplesmente porque os dicionários assim a registram, apresentando também, como variante, a palavra oximóron, em que a dúvida se dissipa, em razão do acento agudo exigido pela terminação em N das paroxítonas.

Oximoros e metáforas são tropos oratórios, recursos de retórica que enriquecem e dão brilho aos textos literários, mas devem ser usados com parcimônia e bom gosto. Os primeiros correspondem a expressões de paradoxos que podem, no entanto, criar uma nova e inspirada conotação para o leitor. Alguns exemplos: cegueira luminosa, silêncio eloquente,  ilustre desconhecido. As metáforas têm concepção mais simples, são imagens que guardam semelhança ou conexões com as palavras referidas: a luz da inteligência, a estrada da vida, o ocaso da existência… Quem não as aprecia? 

No entanto, cumpre-nos lançar mão de tais recursos moderadamente, fugindo à tentação obsessiva da novidade, ou da originalidade. Alguns exemplos de opções infelizes nos dois campos: pedra exasperada, dia inescalável, poeira de sol, ar suspenso, largo sono acordado, grandezas do ínfimo, biografia do orvalho, profundidade sobre nada. Para surpresa dos meus leitores, informo que as cinco primeiras expressões – quatro metáforas e um oximoro – encontram-se em livro de Clarice Lispector (“A maçã no escuro”), e as três últimas – oximoros – em citações de um poeta mato-grossense muito “badalado” nos tempos atuais: Manoel de Barros.

Em respaldo à minha visão crítica sobre essas sendas tortuosas por onde parece caminhar agora a literatura, tenho pelo menos o parecer de alguém de respeito inquestionável: Jorge Luís Borges.  Afirma ele, resumidamente: Quando eu era um rapaz, andava sempre à caça de novas metáforas.  Depois descobri que as metáforas realmente boas são sempre as mesmas…  Porque elas correspondem a algo de essencial…  Acho que isso é melhor do que a ideia de chocar as pessoas encontrando conexões entre coisas que nunca tinham sido conectadas antes… de modo que tudo vira uma espécie de malabarismo.

Devo observar ainda que oximoros e metáforas inusitadas contribuem fortemente para a obscuridade dos escritos.  Se admitimos que a clareza é a cortesia do pensador, como postulava Ortega y Gasset, só posso concluir que estamos enfrentando uma legião de pensadores grosseiros como nunca se viu antes.  Mas há quem ache que, quanto mais obscuro o texto, mais profundo e consistente deve ser. E a maior diatribe contra tal entendimento fui encontrar em uma ficcionista moderna, Márcia Denser: Para os leigos, as garotas bonitas e os novos ricos, quanto menos se entende, mais a coisa deve ser boa.

Há, contudo, suporte para a minha modesta opinião em gente mais abalizada. Evaldo Cabral de Melo, o renomado historiador, afirmou desencantado, já faz algum tempo, nas páginas amarelas da Revista Veja, que objetividade no Brasil era considerada coisa de comerciante.  José Guilherme Merquior, ao criticar professores de literatura que priorizam complicadas categorias de análise dos textos à própria leitura das obras, concebeu a irônica categoria dos hermeneutas-apedeutas. E Carlos Drummond de Andrade, nosso grande poeta, no poema Exorcismo, valendo-se da fórmula hierática de esconjurar demônios – Libera nos, domine – rejeita as expressões esotéricas semema, lexema, sintagma, sistemas semiológicos, ortolinguagem etc, bem como seus criadores Barthes, Derrida, Lacan e outros. Ao que me permito acrescentar duas outras expressões, despiciendas por não nos trazer nenhuma inovação conceitual, mas quase compulsivas em textos de crítica literária: diegese (enredo, narrativa) e eu lírico (uma especiosa subcategoria do EU freudiano, talvez).

Em meus artigos e ensaios publicados em jornal, quando era exigida uma qualificação do autor, sempre preferi o rótulo de crítico de ideias, ou ensaísta, pois a crítica literária acadêmica, stricto sensu, parece ter enveredado, com seus neologismos, num túnel obscuro, no afã de conceber categorias explicativas para textos igualmente obscuros. 

Tomemos o exemplo da poesia. Depois que os balizamentos da métrica e da rima foram considerados dispensáveis, o que é aceitável, temos uma pletora de poetas, publicando ferozmente livros que quase ninguém lê. E a fórmula é sempre o abuso dos recursos acima citados, que seus poucos leitores, tímidos de espírito, fingem apreciar. Por isso, Manoel Bandeira, quando procurado por algum neófito do ramo para opinar sobre os seus poemas, exigia que lhe apresentasse primeiro alguma coisa rimada, para avaliar se o abandono das regras poéticas era opção consciente ou simples laxismo.

Hildeberto Barbosa Filho, paraibano de renome como crítico – e como poeta – chegou a afirmar que “odiava poesia”, referindo-se, é claro, às frioleiras que se apresentavam como tal. E mais recentemente, observou que “a poesia anda vasqueira”.  Segundo ele, há os “herméticos”, há os “inventivos”, há os do tipo “água e açúcar”, mas a poesia não é um terreiro de bêbados e desocupados, um mutirão de alérgicos ensandecidos…

Enfim, e para não dar a impressão de que assumo uma posição conservadora nessa matéria, recorro a exemplos de poemas em versos soltos, sem rima nem métrica, de grande valor estético. O poema de Manoel Bandeira, Momento num Café, é um deles, que me dispenso de transcrever por ser bastante conhecido. Transcrevo apenas dois poemas curtos de companheiros meus, do grupo que ficou conhecido na Paraíba como Geração 59:

Orley Mesquita

Não sei que dia é este

A tarde, felizmente, não tem nome

Olho da janela para um mar distante

E escondem-se os navios

Alto, num céu quase impossível

O silêncio das nuvens antecipa a noite

Minha única pátria

João Ramiro Melo

Uma janela aberta na manhã

E a paisagem límpida

Janela-fonte: de mulher ou de flores

(Pois que toda janela aberta é uma fonte)

Quer seja aberta para a vida

Ou seja aberta para a morte

Ou simplesmente:

Uma janela aberta na manhã

Com uma mulher nos braços.

É isso aí, senhores. Na linha do exorcismo de Drummond, esconjuremos os duvidosos recursos dos oximoros inadequados e das metáforas absurdas, em benefício da limpidez e da efetividade dos nossos recados, sejam eles puramente literários, filosóficos, científicos ou poéticos.