Astrolábio

Astrolábio

Dirigindo-se a uma das quatrocentas e dezenove secretárias que o serviam quando estava em Paris, Nova York, Xangai ou Cascadura, Astrolábio da Silva ordenou-lhe que chamasse à sua presença o Diretor Geral para Assuntos Ocidentais, Orientais, Setentrionais, Meridionais e Equatoriais de suas empresas, Acidus Muriaticus.

Como o homem já estava ali, no Palácio das Luxúrias, na mesma sala de espelhos para onde Astrolábio o havia chamado, tudo o que ele precisou fazer foi deixar o local por uma das portas de prata com seis metros de largura e oito de altura e reentrar por outra porta, de ouro, ainda mais enorme, cujas dimensões exatas ninguém jamais soube.

– “Aqui estou, Excelência”, apresentou-se Muriaticus.

– “Vou comprar o mundo”, disse Astrolábio. “Tome as providências para que a operação esteja terminada até o fim do mês”.

Mesmo acostumado à grandiosidade do patrão, o diretor estranhou a ordem.

– O senhor já não comprou tudo?

– Não. Sou dono apenas das empresas. De todas, desde a Mercearia Pará às gigantes da tecnologia. Mas, não é de empresas que estou falando. Quero comprar as casas, automóveis, iates, penicos, álbuns de retratos, roupas, direitos autorais, violões, violinos, laptops, smartphones, títulos de sócio remido do Náutico, a patente do prego com duas cabeças … Tudo o que as pessoas possuam. Tudo! No mundo inteiro.

– “Mas, isso é impossível!”, arriscou-se a dizer o Diretor Geral.

– Nada é impossível para mim. Vou comprar tudo, até o time do Santa Cruz.

– Esse não vale nada.

– Eu sei, mas o quero assim mesmo.

– “E onde vamos guardar essas coisas todas?” falou Muriaticus, preocupado com a logística de tantas aquisições.

– Vou deixá-las com seus donos atuais. Quando quiser uma delas, vou lá e pego.

O Diretor saiu da sala distribuindo ordens: “Jesuíno, traga-me uma relação de todos os estoques de jambu açambarcados pelos atravessadores”; “Gisélio, compre a inteligência de Rescaldo Sangrento, se conseguir achá-la”; “Alpifânio, pergunte a Xi Jinping quanto custa o partido dele”; “Aristeu, você fica com as pipocas que não explodem, pra não incomodar os cachorros”; “Teodósio, veja o preço da biodiversidade amazônica … Ah, e o do aquecimento global também”.

Deu certo: em uma semana, Astrolábio havia se tornado o dono do mundo, não só das empresas. Na verdade, de quase todo o mundo, pois minha bisavó Tetê, a mulher mais velha da Branquinha, tem dito que não vai vender sua máquina de costura Singer nem que lhe deem em troca uma montanha de dinheiro. Otimista, Muriaticus garantiu ao chefe que isso logo seria resolvido.

Tomara que o seja, pois o próximo passo do multrilionário será comprar Marte.