O Supremo Tribunal federal – STF, por unanimidade, publicou acórdão sobre o art. 142 da Constituição. Reconhecendo que as Forças Armadas não são poder moderador na República.
O artigo foi introduzido na Constituição de 1988. Como uma espécie de desvio solerte. Para forçar a convocação de corpo militar. E, a partir daí, só Deus sabe …
A presença de militares na política brasileira é reiterada. Nasceu com o alvorecer do regime republicano e o autoritarismo de Floriano Peixoto, em 1891. Voltou com os tenentes da revolução de 30. E, sob a espada indiferente do general Gois Monteiro, ficou no poder até 1945. Em 1954, não impediram a posse de Juscelino Kubitschek. Por um motivo: a atuação democrática do general Henrique Teixeira Lott. Mas, em 1964, o golpe, adrede preparado desde a década anterior, foi finalmente desfechado. Para adormecer o país, nas sombras, durante 21 anos.
A tentativa de novo golpe foi perpetrada em 08 de janeiro de 2023. Por um então presidente da República, ex-capitão do Exército. Considerado pelo general Geisel um mau militar. Foram cinco intervenções, a mais recente, frustrada.
Muda o cenário. Acabei de ler Tanques e Togas, o STF e os militares (Companhia das Letras, 2018, São Paulo). De autoria do jornalista e pesquisador, Felipe Recondo. Ele inicia a obra acentuando que o Supremo foi criado no molde da Suprema Corte americana, com quinze juízes. Cuja escolha era feita entre cidadãos de notável saber. Ou seja, poderia ser nomeado um médico. Como o foi. Barata Ribeiro. Nome de avenida no Rio.
Em 1937, o Congresso foi dissolvido por Getúlio Vargas. E ele governava por decretos-lei. Com a redemocratização, em 1945, o Estado de Direito, com três Poderes, voltou a funcionar. O golpe de 64 veio com Atos Institucionais. Que demoliram as instituições democráticas. O AI 5, de 13.12.1968, aposentou três ministros do Supremo: Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima. A partir de 1969, com apenas um ministro não indicado pelos militares, Luis Gallotti, o Supremo virou expectador.
Antes, em 20.10.1966, o presidente Castelo Branco, pelo Ato Complementar 23, decretou o fechamento do Congresso. O prédio do Legislativo foi cercado pelas tropas. O presidente da Câmara, Adaucto Lúcio Cardoso, disse ao coronel Meira Matos, comandante da operação de cerco:
– Coronel, estranha sua missão de violentar o poder civil.
– Perdão, dr. Adaucto, também estranho que tenha atitude tão antirrevolucionária.
– Coronel, eu sou representante do poder civil.
– E, eu, deputado, sou servidor do poder militar.
Assim, se passavam os fatos.
Em 1972, Leitão de Abreu, ex-chefe da Casa Civil do governo Medici, foi nomeado ministro do Supremo por Geisel. Disse aos seus pares: o governo não reage às denúncias de tortura porque o general comandante do II Exército, Sizeno Sarmento, impede. Sonha em ser presidente apoiado pelos militares da linha dura.
Naquela época, censura aos jornais e prisões eram coisa corriqueira. Tinham sido presos Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda, Sobral Pinto, Hélio Fernandes, Joel Silveira, Carlos Heitor Cony, Rafael de Almeida Magalhães e vários outros políticos e jornalistas. Esse é o cenário temível de tempos de chumbo.
Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Naquela data, as portas do Supremo, na nova capital, foram abertas. O então ministro do STF, Eros Grau, escreveu:
“A vinda para Brasília nos internalizou na Federação. A topografia do interior no lugar da topografia do mar. Estamos onde haveríamos de estar, junto a nós mesmos.”
Com a Constituição de 1988, o Supremo foi empoderado. Ações de inconstitucionalidade podem ser impetradas pelos Partidos Políticos, pela OAB, por governadores e pelas Mesas da Câmara e do Senado.
Na prática, as fragilidades do sistema representativo e decisões monocráticas de ministros, situaram o Supremo no ponto mais sensível do sistema político brasileiro. Nesse contexto, o acórdão sobre o art. 142 reforça os corais de pedra que seguram a democracia atlântica. Contra o impacto das ondas de espuma enfraquecidas do golpismo.
Viva a Constituição, viva a democracia!
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