Elimar Pinheiro do Nascimento[1]

A imagem literariamente não é bonita. Imprensado entre duas partes de um pão, que pode ser variado, feito de trigo, de mandioca ou mesmo de batata baroa, o recheio dos sanduiches é ainda mais variado. Sempre de estética discutível. Para os jovens e certos povos, como os norteamericanos, é uma delícia aos olhos e aos sabores. Muda em cada país, em cada cultura, e também por idade, a sua valorização. Pode ser carnívoro ou vegetariano ou mesmo vegano. Pode ter molho ou não. Pode ser discreto ou escandaloso. Fantasiado em cores diversas ou simplesmente clean. Para povos como o americano, é essencial. Aos 15 anos, uma norte-americana me perguntava se no Brasil tinha sanduíche e coca-cola. Com minha resposta positiva, ela declarou: “Então, posso viajar para lá”.  Os franceses têm, por sua vez, o hábito íestranho de comer algo parecido com o sanduíche (pão e queijo) após a refeição do meio dia ou da noite (claro que regado com um bom vinho, que ninguém é de ferro), e não em seu lugar, como fazem os canadenses.

Pois é o sanduíche a imagem que me vem, quando penso no Brasil de hoje. O recheio de um sanduiche composto de duas partes distintas, porém complementares em sua função de paralisar ou inviabilizar o País. Claro, não um sanduíche bom de comer, mas de jogar fora. Um aprisionamento que coloca nosso país na direção do caos, do passado e não do futuro, de uma modernidade civilizada. A pressão dos dois lados do sanduíche, se não for destruída, nos levará ao desastre. E a tarefa não é fácil, pois as forças que alimentam os lados do sanduíche são colossais, entranhadas em nossa cultura e em nossa incivilidade.

O primeiro lado do sanduíche é formado pelas corporações: dos sindicatos dos trabalhadores fabris ou agrícolas aos empresários do capital financeiro, passando pelos servidores. Neste campo, os juízes, advogados, auditores, procuradores e policiais se destacam. Sobretudo os que têm o poder de polícia, que podem prender ou soltar. Sem citar professores e médicos dos serviços públicos, que se acham no direito de melhorar suas remunerações sem necessariamente ter a contrapartida na melhoria dos serviços. A função pública, para estes entes, é tudo menos pública, pois submetida aos seus interesses corporativos e pessoais. Com o Estado em crise financeira, todos se movimentam para “salvar o seu”, pouco se importando com as consequências. Todos admitem que é preciso fazer sacrifícios para sair da crise, mas os sacrifícios têm que ser sempre dos outros. Não há dúvida que há setores, como o Parlamento nacional, que precisariam ter suas mordomias cortadas. Os deputados e senadores custam uma fortuna para o País, e nenhum argumento em defesa da democracia pode sustentar, racionalmente, os desperdícios que estes senhores comentem com o dinheiro público. Seus gabinetes, o montante de técnicos a sua disposição – a maioria competente, mas fazendo trabalho absolutamente inútil, quando não sobre-trabalho, sem contar os cabides de emprego, estes em geral ocupados por incompetentes – e de meios (habitação, carro, transporte aéreo, correio, telefone, verba de gabinete e outras mordomias mil) são absolutamente vergonhosos, pois em sua maior parte improdutivos e ostentatórios. Gastam milhões com pouquíssimas contribuições efetivas à democracia ou ao desenvolvimento nacional, que poderiam ser muito mais efetivas com gastos imensamente menores. Políticos, em grande parte, envolvidos em escândalos, corruptos, que fazem da política um meio de enriquecimento e de favorecimento de seus correligionários.

Estas diversas corporações, apoiadas por forças fascistas e democráticas, nada mais fazem do que nos conduzir ao desastre como projeto civilizacional, como Nação e como sociedade. Privatizam o espaço público. E cada qual com suas razões. Como se fascistas e estalinistas não tivessem também suas razões para se portarem como se portaram, destruindo vidas e mais vidas. A maioria das pessoas e grupos que produz o mal pensa estar fazendo o bem.

E o outro lado deste sanduíche pouco apetitoso? O crime organizado. Com a equivocada política de segurança nacional adotada nas últimas décadas, nada mais se fez que disseminar em todo o território nacional aquilo que era um apanágio de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. PCC e CV, grupos organizados criminalmente, estão presentes hoje em todo o território nacional. E não apenas ameaçando a paz pública cotidiana, mas ingressando no espaço público da política, elegendo vereadores, prefeitos, deputados, governadores e senadores. E nós continuamos a adotar uma política que prende desmesuradamente, não combate eficazmente o tráfico de droga e o contrabando de armas, nem reduz de maneira significativa a criminalidade. Com uma politica penitenciária que, ao contrário de fazer o que pretende, a ressocialização, funciona como escola de criminalidade, enchendo as prisões com pessoas que cometeram pequenos delitos.

Sob a égide de políticos corruptos, o Brasil vai sendo esmagado pelas corporações irresponsáveis e a criminalidade organizada. E as medidas em andamento para inibir as operações contra a corrupção, como a propalada lei contra o abuso de autoridade, ou para esconder os criminosos sob listas partidárias no próximo processo eleitoral, apenas mostram isso: as duas faces que se conversam e se alimentam contra o Brasil. E os políticos, e o Parlamento, ao invés de fazerem barreira, criarem obstáculos a estes dois personagens, fazem o link entre eles. Reforçam-nos, contra o nosso futuro.

[1] Sociólogo, professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia da Universidade Federal da Amazônia.