“Ô Francisco, nosso querido amigo, tuas chuteiras caminham numa estrada de pó e esperança”.
Tom Jobim.
Chico Buarque faz 80 anos. Carreira com uma bagagem de mais de 30 discos gravados, 10 livros publicados e 4 peças de teatro encenadas. Mais do que isto: trajetória que é poema à vida. Ao compromisso com a arte. Ao gesto com a beleza e a ética.
Discreto, disse: “O que me atraiu na bossa nova foi a estética da timidez”. O começo foi com a igualmente suave Nara Leão. Chegou a fazer o jingle da campanha de FHC ao Senado, em 1978. Mas, quando o então senador se elegeu presidente da República, em aliança com ACM, e autorizou aprovou a reeleição, Chico rompeu. E acentuou: “Ele estragou a própria biografia”.
Depois, apoiou Miro Teixeira contra Leonel Brizola. Foi patrulhado pela esquerda. Perdeu. Engajou-se na Diretas Já. E sua canção Vai Passar virou hino. Em 1969, após o AI 5, perseguido pela ditadura, foi para a Itália. Onde permaneceu um ano e meio. Quando, no primeiro mandato de Lula, não assinou documento de apoio a José Dirceu, foi novamente patrulhado pela esquerda.
À época, afirmou: “Fazer política não me dá nenhum prazer. Faço porque acho que é uma obrigação”. Por não ceder aos apelos da emoção partidária, Chico foi chamado por Glauber Rocha de “Errol Flynn da cultura brasileira”. Registrou sua insatisfação com o patrulhamento do PT, ressaltando:
“Eu fico espantado com a agressividade das pessoas. Eu conheci o grau de agressividade do PT. Ficam cobrando isso e aquilo. (…). Isso acho até que vai acabar porque acabou a ideia de que o PT é um Partido superior aos outros”.
Na área artística, surgiu, por conta da disputa nos festivais de música, uma rivalidade com os tropicalistas. Quase rompeu com Caetano e Gilberto Gil. Quando convidado para musicar a peça Morte e Vida Severina, recusou. O diretor insistiu. Ele terminou aceitando. Ficou um ano em cartaz no TUCA, de São Paulo. E ganhou o principal prêmio do IV Festival Internacional de Teatro Universitário de Nancy, na França.
Nos anos, 80, sua presença ne rede Globo foi vetada. Ele cortou relação com Boni. Certo dia, tomou o avião para Paris e quem senta na cadeira ao seu lado? Boni, o diretor da Globo. Chico, rápido, diz: “E, aí, Boni, que vinho vamos tomar?” Foi um papo só até o final da viagem.
Pressionado pelo calor do extremismo político, naquela fase, Chico se sentiu incomodado. Porque, no tom social que é sua nota musical, busca sempre cumprir o estatuto do equilíbrio. Longe de fanatismos erráticos. Chegou a dizer. ”Estou no limbo”.
Sua amizade com Tom Jobim permaneceu íntegra, ao largo das tempestades que afetaram aqueles tempos revoltos. Em outubro de 1989, Chico recebeu de Tom uma afetuosa carta, enviada de Nova York. Terminava assim:
“Chico Buarque, homem do povo, FlaxFlu, calça Lee, carradas de razão, mamão jacarandá surubim, macuco não, pierrô e arlequim, você é tanta coisa que não cabe aqui, inovador, preservador, reencarnado, redivivo, mestre da língua, cabelos negros, olhos de gatão selvagem, dos grandes gatos do mato, olhos glaucos, luminosos, teu sorriso inesquecível”.
Eita texto saboroso, Luiz Otávio. Tanto quanto o próprio Chico.
Fui ler por causa do comentário de Teresa Sales. É bem divertido ler esse registro bem-humorado das mudanças de posição de Chico Buarque nesse Brasil meio caótico. Por falar em mudanças, uma dele da qual não gostei foi o “purismo”de condenar sua própria canção das antigas “Com açucar, com afeto…”. Ao invés de explicar as mudanças históricas. Mas o fato é que dentre os octogenários todos, e todos fantásticos (Gil, Caetano, Betânia…), de quem eu mais gosto é mesmo Ney Matogrosso.