Repressão na Venezuela

Repressão na Venezuela

Como grande parte das nações, o governo do presidente Lula da Silva não reconheceu o resultado das eleições presidenciais da Venezuela que, segundo o Conselho Nacional Eleitoral, teria dado a vitória a Nicolas Maduro. Embora tivesse declarado, inicialmente, que as eleições tinham transcorrido sem problemas, Lula passou a exigir a divulgação das atas das sessões eleitorais para aceitar os resultados e continuar apoiando o governo autocrático de Maduro. Evidências de manipulação e denúncias de fraude levaram a desconfiar da higidez do processo de apuração dos votos, o que parece confirmado pela recusa das autoridades eleitorais a divulgar dados detalhados e convincentes das urnas. Numa contagem paralela, com base nas atas recolhidas nas mesas eleitorais, a oposição chegou a resultados opostos aos anunciados pelo CNE, demonstrando que Edmundo González Urrutia teria ganho as eleições com 67% dos votos.  

A essa altura, quase 30 dias depois do pleito, fica evidente que o sistema autoritário implantado na Venezuela, acusado de desrespeito aos direitos humanos e corrupção, não vai aceitar a derrota eleitoral e entregar o poder à oposição. Com o apoio das Forças Armadas, ou a serviço delas, Maduro ignora as pressões, mesmo de fiéis aliados, como Lula, e vai reprimindo a oposição e ganhando tempo para se consolidar no poder. Instituições internacionais independentes contam mais de 20 mortos e 1.600 presos políticos, incluindo centenas de adolescentes. A diretora da respeitada instituição Human Rights Watch afirmou que a “polícia está detendo pessoas a uma velocidade nunca vista na história da Venezuela, nem mesmo durante as repressões de 2014 e 2017”. E o presidente Lula continua esperando a divulgação das atas pelo CNE. 

Até quando, presidente?

Na semana passada, o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela confirmou os resultados apresentados pelo CNE ratificando, desta forma, a vitória de Maduro. Segundo a nota oficial do STJ, a câmara eleitoral “certifica de forma inquestionável o material eleitoral pericial” e “valida os resultados das eleições presidenciais de 28 de julho de 2024 emitidos pelo CNE”. A nota acrescenta que não cabe mais apelação à sua decisão, até porque é a última instância do sistema judiciário venezuelano. Se o tribunal teve acesso às atas, como informa, por que não divulgaram para fundamentar a sua deliberação aprovando o resultado das eleições divulgado pelo CNE? 

Excetuando a contagem da oposição, publicada no site, as atas continuam escondidas, desaparecidas, ou foram simplesmente destruídas. E não por um pretenso hacker da Macedônia do Norte que pode interferir apenas na transferência dos dados pela internet, mas não, nos boletins de urna. Algumas semanas atrás, mostrando confiança na justiça venezuelana, o presidente Lula afirmava que se a oposição não estivesse satisfeita com a contagem dos votos, que apelasse à justiça, ou seja, ao Supremo Tribunal de Justiça, que agora confirmou a vitória de Maduro. E agora, presidente Lula? Se confia na justiça venezuelana, mesmo que o CNE e STJ continuem escondendo as atas, o senhor deveria reconhecer o resultado das eleições na Venezuela e declarar apoio à manutenção de Maduro no poder. Seria lamentável, mas coerente com a sua visão da “democracia relativa” ou com “viés autoritário” da república bolivariana.  

Para escapar do impasse político em que se enredou, Lula ainda continua esperando pelas atas, mesmo depois da resolução do STJ. E, o que é pior, Lula voltou a defender a convocação de novas eleições na Venezuela. “Se eu fosse Maduro – disse ele – convocava novas eleições”. O que significa a anulação do pleito que teria dado vitória à oposição. E pode, Lula? Quando perde as eleições, o presidente anula o pleito e convoca nova consulta? Isto está certo, é democrático? Imaginem se, no Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro, derrotado em outubro de 2022, denunciando fraude, decidisse anular as eleições, e convocar novo pleito eleitoral. Ele até queria e tentou suspender as eleições e tomar o poder, mas, felizmente, as instituições democráticas brasileiras impediram a sua aventura golpista e garantiram a posse de Lula. Na Venezuela também a anulação das eleições, mesmo para convocar novo pleito, seria um golpe na democracia. A não ser que Lula conheça algum dispositivo secreto da Constituição bolivariana que conceda ao presidente o direito de cancelar uma eleição sempre que o resultado não lhe for favorável. O que, neste caso, confirmaria o sistema de poder autocrático do bolivarianismo venezuelano.