Exército Venezuela

Exército Venezuela

“Preciso não saber, até se consumar, o tempo da gente,

Preciso conduzir, o tempo de te amar, te amando devagar,

Urgentemente, preciso descobrir, no último momento,

Recolhendo todo sentimento, talvez no tempo de delicadeza”.

Chico Buarque, Todo sentimento.

 

Nicolas Maduro exerce o poder na Venezuela desde 2013. Substituindo o tenente-coronel, Hugo Chavez. Que morrera de câncer. Está no segundo mandato. Acaba de ser reeleito. Para o terceiro mandato. De seis anos. Até 2031.

Maduro, para se manter no poder, tomou três iniciativas: promoveu eleições legislativas que lhe deram maioria no Parlamento do país; substituiu juízes da Corte judicial superior para garantir decisões favoráveis ao governo; e cooptou as Forças Armadas instrumentalizando-as em atuação política (não profissional) para se sustentar politicamente.

Esse modelo de poder é baseado na força e na violência. De corporação militar. E não no cumprimento da lei. Não no funcionamento de instituições. Denomina-se pretorianismo. Vem da Roma antiga. O pretor romano era um magistrado a quem se concedia poderes executivos e de império similares aos de cônsul. Escolhido entre os patrícios.

O pretor dispunha de grande poder. Pois reunia, além de papel de julgador, funções executivas. Por isso, a ciência política adotou o conceito de pretorianismo para caracterizar o sistema que usa a força como ferramenta de gestão. Dispensando o respeito aos direitos da cidadania. E olvidando os valores da democracia. Ou seja, para acentuar a existência de uma ditadura. É o que ocorre na Venezuela (Samuel Huntington, Ordem Política nas Sociedades em Mudança, Forense, São Paulo, 1975).

O que se passa no pretorianismo é a ausência de instituições democráticas que exerçam a mediação do processo político. Prevalecendo o voluntarismo do ditador. Há dois tipos básicos de pretorianismo: o que é exercido por oligarquia política apoiada em movimento de massa. E o que é assumido pelas Forças Armadas. O Peronismo é exemplo de pretorianismo de massa. E o Chavismo, atualizado por Maduro, é exemplo de pretorianismo oligárquico.

A ultrassonografia da ditadura na Venezuela mostra um traço destacado pelos estudiosos: o estamento. O estamento é um segmento da burocracia. É o caso do Exército e do Judiciário. Diferentes das classes sociais, que negociam, o estamento decide. E governa. E seu papel se torna mais agudo e crítico, no cenário de uma ditadura (Os Donos do Poder, Raimundo Faoro, Senac, 1999).         

O episódio eleitoral recente, na Venezuela, é grotesco. Candidatos foram impedidos de se inscrever. Eleitores residentes no estrangeiro foram impedidos de votar. Organizações civis foram impedidas de auditar os números das urnas. Blogs da oposição foram retirados do ar. Mais de setecentas pessoas foram presas. Um líder da oposição foi sequestrado em sua casa e levado para local incerto e não sabido. Os boletins eleitorais não foram, após cinco dias da eleição, disponibilizados para conhecimento público. Sete pessoas foram mortas em conflitos de rua.

O que disse o presidente Lula a respeito ? Que estava tudo normal. Que dois candidatos disputaram a eleição. E que, no caso de um deles não se conformar com o resultado, recorra. Isto depois que Maduro mandou ele tomar chá de camomila.

Esses fatos têm duas dimensões: a dimensão política pessoal do presidente e a dimensão institucional do Brasil. No caso do presidente, talvez não seja o caso de enxergar proximidade entre sua saúde e a saúde do presidente Biden. Então, configura-se um quadro de decadência política da presidência. E, por consequência, de perda de credibilidade de Lula.

Na dimensão institucional, o país perde expressão. Como ente que desfrutara de presença diplomática reconhecida. Tendo sempre atuado, no campo das relações externas, sob a ótica dos valores democráticos. Com equilíbrio e isenção.

Para além da questão política, há uma nota humana trágica no episódio. O presidente Lula escapou de um golpe de Estado há um ano. Golpe que foi armado com os fios canhestros de um pretorianismo amador. Agora, inebriado no perfume de calculado esquecimento, ele apoia, de conveniência, fraude eleitoral e golpe político.

No olhar sóbrio do puramente humano é uma tragédia. Um político, presidente da República pela terceira vez. Nevado nas cãs brancas. Trai o perfil de lealdade a si e ao outro. E passa o guardanapo ideológico no sobejo autoritário do vizinho. Ficou menor.