Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson ganharam o prêmio Nobel de economia de 2024. Eles são autores de uma vasta obra na forma de artigos em revistas acadêmicas e livros, incluindo o bestseller “Por que as nações fracassam”, mostrando a importância das instituições denominadas “inclusivas” para o desenvolvimento econômico. Com base em uma imensa quantidade de informações sobre a história econômica de muitos países, eles mostram que as instituições inclusivas promovem o desenvolvimento e geram benefícios de longo prazo para todos, ao passo que as instituições “extrativistas” fornecem ganhos de curto prazo para as pessoas no poder, mas causam atraso e subdesenvolvimento.
Ressaltar a importância das instituições no desenvolvimento a longo prazo tem, curiosamente, um caráter de “novidade” dentro da escola de pensamento neoclássica ou o chamado mainstream da economia. Considere-se um manual típico de microeconomia: a oferta e a demanda, a teoria do consumidor e a análise do equilíbrio de uma empresa em competição perfeita, tudo é estudado pressupondo (sem discutir) que se trata de uma economia capitalista. A macroeconomia é a outra disciplina fundamental; aí se trata do papel do governo, mas sem discutir como governos são formados. Além disso, são consideradas fundamentais disciplinas de estatística e econometria. História econômica e história do pensamento econômico são claramente matérias “secundárias” na formação padrão no mainstream da economia.
A publicação, em 1776, de “A riqueza das nações”, de Adam Smith, é considerada um marco fundamental da ciência econômica. É interessante notar que até o início no século XX o nome usual dessa ciência era Economia Política. Só depois do fortalecimento e consagração da escola neoclássica de pensamento é que se abandonou a adjetivação de “política” para a economia. A revolução Keynesiana levou a reconhecer a importância do Estado, mas uma análise que dá grande importância às “instituições” ainda ganha ares de inovação no século XXI.
O enfoque é totalmente distinto na economia marxista. O capitalismo é analisado como um dos diversos modos de produção ao longo da história. Considera-se fundamental entender como, na Europa, o capitalismo se formou sobre os escombros do feudalismo. Como ilustração, cabe comentar o conceito de capital. Na economia neoclássica, bem de capital é qualquer artefato construído para ser usado na produção de outros bens. Na economia marxista tal artefato é denominado um meio de produção e os meios de produção só se tornam capital quando são propriedade de um grupo de pessoas (os capitalistas) e há um grande número de pessoas sem meios de produção próprios prontos para vender sua força de trabalho. O arco-e-flecha de um Tupiniquim é um bem de capital na terminologia mainstream, mas não é capital conforme os conceitos da economia marxista.
O esquema caricatural das relações de produção capitalistas é a fábrica, propriedade de um capitalista, cercada por população de proletários, isto é, de trabalhadores que, para sobreviver, devem vender sua força de trabalho ao capitalista. Obviamente, deve haver um estado que garanta o direito de propriedade. Na economia marxista, a caracterização de certas instituições (relações de produção) é parte essencial da compreensão do que é uma economia capitalista.
No último capítulo do Livro 1 de “O capital”, Marx descreve o problema de um capitalista inglês de nome Peel que planejou instalar sua indústria na Austrália e, muito precavidamente, levou para lá não apenas víveres e meios de produção, mas também trabalhadores e suas famílias. Mas ao chegar na Austrália os trabalhadores preferiram ir trabalhar por conta própria nas terras livres disponíveis e Marx comenta: “Infeliz Peel, que previu tudo, menos trazer as relações de produção da Inglaterra …!1”.
No Brasil, por quase quatro séculos, recorreu-se ao trabalho escravo. Na transição para o trabalho assalariado, de acordo com Alberto Passos Guimarães em “Quatro séculos de latifúndio”, a Lei de Terras de 1850 se destina a dificultar o acesso dos homens livres, incluindo escravos libertos e imigrantes, às terras públicas, garantindo a oferta de mão de obra aos fazendeiros. A lei proibia a aquisição de terras por outro meio que não a compra e estabelecia que lotes de terras públicas deveriam ser vendidos com pagamento à vista e com preços mínimos elevados.
Conforme normas acadêmicas, ao tratar de um tema os pesquisadores deveriam mencionar as contribuições anteriores para o mesmo tema. Por que Acemoglu, Johnson e Robinson praticamente ignoram a análise das relações de produção da economia marxista? Porque são pesquisadores inseridos no mainstream americano, que tende a considerar a economia marxista como uma curiosidade no passado da história do pensamento econômico.
No livro “Por que as nações fracassam” são destacadas como “economias inclusivas” os países capitalistas dinâmicos, com instituições apropriadas para o sistema, como os EUA. Todas as demais economias são consideradas extrativistas, incluindo os países subdesenvolvidos, a sociedade Maia e o império romano. A mesma etiqueta é aplicada até mesmo a uma sociedade tribal (vide a seção sobre “Os filhos de Samaale”, p. 185-188). Não é claro que falta rigor analítico em uma categoria tão heterogênea? Interessante imaginar como a análise dos premiados ficaria melhor se eles usassem primeiro a classificação em diferentes modos de produção e depois focalizassem sua análise em países que pudessem ser classificados como capitalistas, isto é, que tivessem desenvolvido relações de produção capitalistas.
Ao encerrar esses comentários sobre os autores premiados pelo Nobel de economia de 2024, devo dizer que considero muito recomendável a leitura dos livros “Por que as nações fracassam” e “Power and progress”, muito ricos em interessantes informações e análises do desenvolvimento econômico de países. Mas, bem que ajuda a entender os fenômenos também examinar “O capital”, de Marx, e “A história da riqueza do homem”, de Leo Huberman.
Piracicaba, 4 de novembro de 2024
1 Marx, “O capital”, Livro 1, vol. 2, p. 885, Editora Civilização Brasileira, 1968.
Excelente comentário. A perspicácia do professor nos ensina a não comprar ideias prontas só porque todos aplaudem e até premiam.