Economia verde em Shangai

Economia verde em Shangai

Reações contra a descarbonização e alternativa na Economia Verde

Marcos Rehder Batista

No final de março deste ano foi publicado no site do no Institute on Global Conflict and Cooperation – IGCC (Univ. da Califórnia) uma síntese elaborada por Robert Keohane sobre as condições específicas em que as políticas climáticas podem provocar uma reação contra ações ambientais (green backlash). Faz parte de uma série de reflexões apresentadas em janeiro por vários pesquisadores norte-americanos sobre como os diversos negacionismos afetam os objetivos do Acordo de Paris, em evento na mesma universidade. Junto a Joseph Nye, Keohane protagonizou no início da década de 1970 a consolidação da área de Relações Econômicas Internacionais ao leste do Atlântico, na mesma época em que a mesma agenda ganhou força na Escola Britânica, liderada por Susan Strange, cujos apontamentos foram progressivamente sendo incorporados reciprocamente. Como a oposição às medidas de mitigação quase sempre parte de setores econômicos considerados poluidores agressivos com forte influência local e articulados em escala transnacional, o autor parte de uma posição privilegiada diagnosticar o “estado da arte” desta discussão, tal que os objetivos no presente artigo consistem tanto em contextualizar a questão ambiental em sua  trajetória intelectual quanto apresentar os tópicos que ele considera urgentes diante de uma agenda internacional que certamente terá influência de Donald Trump.

Aliás, o workshop organizado no início do ano, intitulado Research Workshop on Climate Change, Green Backlash, and Democracy1, teve como principal foco o uso eleitoreiro das restrições produtivas para mitigação do Aquecimento Global feito por nacionalismos e populismos de extrema direita, que acaba por disseminar em boa parte da população uma rejeição contra as medidas necessárias, mesmo com a crescente incidência de desastres naturais, como secas atingindo fortemente a produtividade agropecuária e inundações em cidades litorâneas. Ao se tornar também uma agenda para disputa política, repleta de sofismas, a preservação das condições naturais para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas também se mostra um desafio para a sobrevivência dos regimes democráticos, tanto que o debate partiu do grupo de trabalho Future of Democracy do IGCC, e não de um que toma a agenda verde como tema principal.

Keohane aborda a questão relacionando as diversas formas com que movimentos ativistas se organizam e colocam a pauta ambiental no debate público e as diferentes reações adversas dos setores econômicos que devem ser superados pelas novas tecnologias limpas no processo de “destruição criadora”. Trazer à tona sua argumentação a praticamente um mês da 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – CQNUMC (Conferência de Bonn), que acontece entre os dias 16 de 26 de junho próximo, pode ajudar a pensar não apenas como os tópicos a serem debatidos lá impactam nos vários setores produtivos, mas em como negociá-los de modo a serem menos restritivos para o desenvolvimento dos países do G77+China (do qual o Brasil faz parte) e como comunicar os direcionamentos a serem elaborados na Alemanha.

A próxima seção tratará de situar o trabalho de Robert Keohane com as questões centrais desenvolvidas por ele desde os anos 1970, para em seguida apresentar o que sugeriu no começo deste ano e relacionar estas orientações com seu arcabouço teórico, além de remeter à discussão semelhante promovida quando foi convidado como James Madison Lecturer em 2014, com a transcrição publicada no ano posterior. Finalizo com os motivos pelos quais suas ideias tem peso e como deverão pautar novos textos meus ao longo do ano

Competições econômicas, discórdias e regimes internacionais de cooperação 

A gênese dos desenvolvimentos teóricos de Robert Keohane está historicamente situada no início dos anos 1970, um momento de declínio da hegemonia dos Estados Unidos, que após o Plano Marshall viam a coalisão dos já recuperados países europeus, na emergência da China como potência militar e na consolidação da União Soviética como concorrente geopolítico. Num capítulo2 publicado em volume da Fundação Alexandre de Gusmão – Min. Das Relações Exteriores (2012), Filipe Mendonça (Inst. de Economia – UFU) e Carlos Eduardo Carvalho (Fac. de Economia – PUC-SP) situam Keohane e seu livro After Hegemony (1984) como a principal referência do movimento intelectual que chamam de “declinismo”, caracterizado pela busca de alternativas para governança numa conjuntura de “caos sistêmico” (ou, “anarquia”) provocado pelo enfraquecimento da autoridade estadunidense.

Dentro do “declinismo”, debruçado sobre a ausência de uma liderança hegemônica mundial capaz de garantir o cumprimento de acordos num regime internacional, identificam que Keohane sugere que o papel de coordenação ficaria à cargo de instituições e organismos multilaterais moderadores das discórdias e promotoras da cooperação. Em comparação com outras correntes teóricas, como com o “capitalismo coletivo” de Chese-Dunn e o “poder brando” de Joseph Nye, segundo Mendonça e Carvalho estes e o institucionalismo do autor de After Hegemony possuem um elemento em comum: a “a ampliação do núcleo decisório”. Em 2017 Mendonça e Carvalho publicam em coautoria com Rodrigo Fagundes Cezar (Escola de Relações Internacionais – FGV/SP) um trabalho3 em que detalham como Keohane aborda os condicionantes internos para a definição dos posicionamentos dos diferentes países dentro dos regimes internacionais, bastante orientado em pesquisas do norte-americano junto à Helen Milner sobre independência ou vulnerabilidade das cadeias de valor em relação aos insumos dos quais dependem, o que proporciona vários elementos sobre as discórdias entre países ocidentais desenvolvidos e os subdesenvolvidos.

Este caminho para entender a construção dos posicionamentos de países subdesenvolvidos frente a regimes internacionais pautados em instituições moderadoras era declaradamente algo não desenvolvido no livro de 1984 e que, como será visto na próxima seção, consiste em um dos temas centrais no paper de março deste ano. No estudo publicado à 4 décadas ele retoma a ideia lançada na década de 1970 em Power and Interdependence4, escrito em parceria com Joseph Nye, de que a condição de um país em condições de interdependência transnacional é definida tanto pela força com que condições econômicas internacionais incidem sobre ele (sensibilidade) quanto pela capacidade – ou não – deste pais em se reorganizar para se adaptar à novos contextos (vulnerabilidade). Eles se opõem ao chamado neorealismo, que pensa as relações internacionais no âmbito da defesa, tal que Keohane e Nye trazem para o debate restrições e incentivos institucionais dentro dos jogos econômicos, já acentuando a independência dos Estados e refutando uma visão determinista a respeito de uma potência simplesmente determinar o que as demais fariam; já consideram tão ou mais relevante as condições internas.

Uma das contribuições mais relevantes na Teoria Funcional dos Regimes Internacionais (que também chama de “Teoria Institucional”) de After Hegemony5 é a concepção de que, na falta de uma potência incontestavelmente hegemônica, a cooperação via instituições mediadoras se dá menos na homogeneidade de interesses e mais na identificação de interesses diversos (discordantes). Ou seja, as instituições internacionais não são fonte de padrões para orientar o desenvolvimento de todos, mas em critérios comuns dentro dos quais estas diferentes demandas serão negociadas objetivando “jogos de ganha-ganha” concebido no longo prazo. Isso inclui a existência de uma orientação para gestão macroeconômica de cada realidade dentro de alguns parâmetros comuns, o que garantiria baixa vulnerabilidade dos atores e capacidade de honrar compromissos e diminui a tendência à deserção em relação à acordos; apesar de tratar especificamente de padrões econômicos, este raciocínio também é útil para pensar vulnerabilidade interna para cumprir acordos climáticos.

“Destruição Criadora”, ressentimentos e adesões

A indagação primordial feita por Robert Keohane no paper de março6 reside em identificar os principais gargalos na agenda climática que levam setores econômicos – e por consequência, políticos – obstruir avanços adaptativos e, pior, conseguir arrebanhar boa parte da opinião pública. Para que surja esta resistência (green backlash) ele pensa três hipótese para este fenômeno consequentes das ações dos ativistas em defesa da causa ambiental: i) um movimento só provoca reação quando via ação coletiva quando obteve considerável grau de sucesso, pois os opositores medem o custo da reação; ii) quanto mais direcionada e precisa a ação para a mitigação do Aquecimento Global, simultaneamente atingirá melhores resultados e gerará mais resistência de grupos prejudicados e; iii) fatalmente, uma reação internacional de países suficientemente poderosos contra políticas verdes acontecerá na medida em que alguns países influentes as implementarem do modo contundente. Recorrendo a conceitos keohanianos não usados no artigo citado, green backlashs aconteceram quando países de baixa vulnerabilidade mas de alta sensibilidade tiverem que se reorganizar contra ações que os afeta internamente de modo negativo, como ameaças à cadeias de valor importantes para sua economia, enfraquecimento produtivo e gerando desemprego, ou incomodar seu eleitorado.

Isso ocorre tanto em países ricos dependentes de combustíveis fósseis (incluindo a indústria automobilística tradicional) quanto nos que recebem pressões para restrições ambientais, pois em países pobres podem surgir ressentimentos devido à baixa ajuda financeira dos ricos para que preservem suas florestas (pior, quando a preservação da mata nitidamente é usada como barreira comercial, recurso que os agricultores europeus usam muito para depreciar produtores brasileiros). Conforme publicou em 2015 na transcrição da James Madison Lecture7, na medida em que uma sociedade não consegue perceber benefícios individuais da mitigação e, principalmente, percebe que se as outras não adotarem medidas ela sofrerá as consequências do mesmo jeito, há um incentivo para não veja com bons olhos restrições impostas pelo Estado. Na ocasião, sugeriu medidas capazes de serem percebidas localmente  – com isso, incentivarem adesão – como financiamento voltado para obras de combate aos desastres naturais (como irrigação e tecnologias regenerativas) e investimento em grandes complexos em atividades econômicas sustentáveis, como energias renováveis; ambas, além de provocarem transformações produtivas verdes, geram empregos e proporcionam alternativas para o desenvolvimento, como nas missões do atual programa Nova Indústria Brasil.  

Esta substituição de trajetórias tecnológicas de setores nocivos ao meio ambiente para uma Economia Verde dá o tom das 5 questões colocadas neste ano por Keohane como primordiais na definição dos problemas a serem enfrentados. Como é possível notar, eles partem do cotidiano do cidadão médio seguindo uma cadeia que culmina nos regimes internacionais. São eles:

  1. A mobilização de movimentos pró-descarbonização depende da identificação de “vilões”, e os cidadãos comuns que trabalham no setor petrolífero estão fazendo o que qualquer um faz, com seus empregos e empresas, conforme o estilo de vida não criado por eles, logo, é difícil esta causa conquistar a maioria das pessoas sem uma alternativa de renda convincente;
  2. Os setores econômicos prejudicados pelas ações climáticas possuem um poder político descomunal, financiamento pesquisas, campanhas e candidaturas, de modo que apenas podem ser confrontados com o fortalecimento de setores com atividades substitutas, que ofereçam empregos e produtos compatíveis (como carros elétricos ou movidos à etanol), capazes de promoverem o processo schumpeteriano de “destruição criadora, e que articulem uma ação coletiva com a mesma força dos poluidores – podem ser gerados dos investimento dos quais Keohane falou à 10 anos;
  3. Considerando que todos os países influentes do planeta, ao menos em economia, adotaram o capitalismo, enquanto os setores promotores do green backlash atuarão no retardamento dos avanços institucionais favoráveis à agenda climática, os atores da economia verde poderão pressionar para melhores regulações para suas atividades, o que pode desencadear na diminuição da vulnerabilidade dos Estados e nas medidas necessárias para frear o aquecimento global;
  4. O risco em um governo com a linha adotada por Donald Trump ameaça o fortalecimento de setores produtivos verdes não apenas nos Estados Unidos, mas em praticamente todas as cadeias globais de valor (Keohane não usa este conceito, mas esta ideia sim), junto aos países da OPEP, provavelmente gerando uma reação europeia no delineamento deste regime internacional;
  5. Na medida em que aonde acontecerem restrições restar a saída para países com menor sindicalização e maior vulnerabilidade, a internacionalização de tecnologias limpas combinadas a alternativas de renda para países subdesenvolvidos – como bioeconomia – torna-se crucial para a sustentação da agenda climática.

Ou seja, há urgência do fortalecimento de mecanismos de financiamento tanto para transferência de tecnologia de países mais poderosos para os mais vulneráveis como valores mais representativos para que estes últimos sejam estimulados a preservarem vegetação ou desenvolverem práticas agropecuárias regenerativas. Isso atenuaria os ressentimentos pós-coloniais e diminuiria a força dos populismos antidescarbonização também nestas regiões, desmotivando movimentos políticos avessos.  

Orientações preciosas

Se por um lado a maioria das questões colocadas por Keohane são de conhecimento geral entre os policy makers da arena climática, é inegável que ele organiza estes pontos de forma operacionalizável o suficiente para aprimorar estratégias de ação na UNFCCC. Também insere o debate dentro de uma tradição muito bem “equipada” para criação de cenários, cuja codificação é largamente conhecida em Relações Econômicas Internacionais. Somado a isso, suas palavras tem peso, nos meios acadêmico e político, chegando a interlocutores de várias disciplinas e espectros políticos.

Estas sugestões são especialmente relevantes para o Brasil, não apenas como sede da COP 30, como também por ser uma potência em setores dependentes do uso racional dos recursos naturais e pela posição que ocupamos entre os Estados do chamado “Sul Global. Por isso, irei retomá-los ao longo ano, como reflexões sobre o que podemos fazer e articular para o encontro de Belém, no final do ano.

 

1 – O texto introdutório ao Research Workshop on Climate Change, Green Backlash, and Democracy pode ser conferido no link < https://ucigcc.org/events/research-workshop-on-climate-change-green-backlash-and-democracy/ >, visualizado em 15/5/2025.

2 – MENDONÇA, F. e CARVALHO, C.E. (2012). Hegemonia em tempos de crise: lições da reação dos EUA às crises e contestações dos anos 1970. In: Fundação Alexandre de Gusmão. (Org.). IV Seminário sobre Pesquisas em Relações Econômicas Internacionais. 1ed.Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012, v. 1, p. 109-139. Disponível em < https://funag.gov.br/loja/download/980-IV_Seminario_sobre_pesquisas_Economicas_em_Relacoes_Internacionais.pdf >, visualizado em 12/05/2025

3  – Na oportunidade desta publicação, Rodrigo Fagundes Cezar era doutorando em Relações Internacionais no Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento de Genebra (IHEID), e atualmente é professor da Escola de Relações Internacionais da FGV. Segue a referência do paper citado: CÉZAR, R. F.; MENDONCA, F. ; CARVALHO, C. E. (2017). Política doméstica e política externa comercial nos Estados Unidos: estado-da-arte e possibilidades teóricas. BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 80, p. 5-26, 2017. Disponível em < https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/download/404/386  >, visualizado em 11/05/2025.

4 – KEOHANE, R. e NYE, J. (1977). Power and Interdependence. Boston: Little, Brown and Company. Link: < https://is.cuni.cz/studium/predmety/index.php?do=download&did=231748&kod=JPM033  >, visualizado em 10/05/2025.

5 – Keohane coloca de modo enfático que está construindo uma teoria institucionalista, explicando que o uso do termos funcionalistas se deve ao circulo acadêmico onde quer promover o debate. KEOHANE, R. (1984). After Hegemony: cooperation and discord in the World Political Economy. New Jersey: Princeton University Press. Disponível em http://professor.pucgoias.edu.br/sitedocente/admin/arquivosUpload/17973/material/KEOHANE%20After%20Hegemony%20-%20Cooperation%20and%20Regimes.pdf , visualizado em 06/05/2025.

6 – KEOHANE, R. (2025). Green Backlash and Climate Change Policies. IGCC Essay. Disponível em < https://ucigcc.org/publication/green-backlash-and-climate-change-policies/ >, visualizado em 06/05/2025.

7 – KEOHANE, R.. (2015). The global politics of climate change: Challenge for political science. PS: Political Science & Politics48(1), 19-26. Disponível em < http://www.apsanet.org/Portals/54/files/Publications/Journal%20Files/Madison%20Lectures/2014%20Madison%20Lecture_Keohane.pdf  >, visualizado em 06/05/2025