
A bloodied Palestinian child standing in the ruins in the aftermath of an Israeli bombardment, Gaza, Palestine, on Oct. 25, 2023. (AA Photo)
O filósofo Jacques Rancière escreveu: “Política só existe por um princípio que não lhe é próprio: a igualdade. A igualdade não é um dado que a política aplica. É uma pressuposição discernida nas práticas que a põem em uso. (…) Existe política porque a ordem natural dos reis, senhores de guerra ou das pessoas de posse é interrompida por liberdade que atualiza a igualdade na qual assenta a ordem social” (O desentendimento, Editora 34, São Paulo, 2022).
O presidente Donald Trump ignora a Organização das Nações Unidas – ONU. Despreza a Organização Mundial do Comércio – OMC com o tarifaço. Retirou-se do Acordo sobre o clima, de Paris. Ausentou-se do Tratado sobre Armas Nucleares. Não estamos numa monarquia planetária.
O modelo republicano adotado pelos Estados Unidos baseia-se nos Escritos Federalistas. Formulados por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, em 1787. Abrange uma organização federativa com níveis de gestão local, estadual e federal. Foi uma inovação quanto aos regimes imperiais de então. E se diferenciam do modelo de Parlamentarismo assumido pelos países europeus.
Tal experiência histórica norte-americana tem sido exitosa. Orientada por uma Constituição enxuta de 1778. E, até as administrações de Donald Trump, foi fiel ao multilateralismo, às resoluções da ONU e à convivência cooperativa com os outros países. Esse estilo colaborativo foi interrompido pelo atual presidente. Que se dispensa de consultar os aliados. Toma iniciativas que envolvem outras nações sem usar o apropriado ritual diplomático.
Tal postura autoritária, não sendo agregadora, abrange riscos. Porque o concerto das nações compreende regras de segurança diplomática. Apoiado em apuração de consensos. Para evitar atritos. E facilitar acordos.
Algumas escolas de atuação diplomática se destacam pelo profissionalismo de seus quadros: na Europa, o Quai d’Orsay, da França. Na América Latina, o Itamaraty, do Brasil. Quando o fator político, de feitio de curto prazo, não se mete, os resultados são positivos.
Na prática, o presidente Trump demoliu o sistema de mediação política e gestão compartilhada da ONU. Fragilizou a regulação das relações comerciais da OMC. O recente conflito entre Israel e Irã atestou um tipo de comportamento extravagante do presidente norte-americano. Interveio no campo da disputa. Com uma retórica errática. Como se patrocinasse uma mediação tergiversante. Que não lhe compete. Gerando desconfiança. Destruindo o único capital político capaz de atrair adesões a decisão coletivas: a confiança.
Duas reações me chamaram atenção. A reação do secretário-geral da OTAN, Mark Rutte. Oferecendo aprovação cabal à ofensiva militar norte-americana. Na moldura de permanente sorriso juvenil. Parecendo inebriado pela demonstração de comando do “papai”, como apelidou o chefe da casa Branca. Apequenou-se. De modo contrário, o presidente Emannuel Macron apontou a falta de base legal da ação estadunidense. Honrando a tradição francesa de cumprimento das normas coletivas. Que regem o relacionamento internacional.
Penso que poderão ocorrer mudanças graduais no Oriente. Os países produtores de petróleo dispõem de recursos para desenvolver programas de crescimento. O consumo da população está sendo dinamizado a partir do mimetismo de padrões ocidentais na moda e na música. Dubai passou a ser destino turístico mundial. E Riade, capital da Arábia Saudita, sedia prova de Fórmula 1. Trata-se de movimentos na sociedade. Que poderão influir nos centros de decisão. Ainda que atados a laços de regimes pouco abertos.
Mas, neste contexto, há que se olhar os que estão sofrendo. Dirigir-lhe o gesto. Efetivando o apoio. Que os livre da morte. E da fome. Como dito na canção A Rosa de Hiroshima, letrada em poema por Vinicius de Moraes:
“Pensem nas crianças mudas telepáticas, pensem nas meninas cegas inexatas, pensem nas mulheres rotas, alteradas, pensem nas feridas, como rosas cálidas, mas, oh, não se esqueçam da rosa da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária, a rosa radioativa”.
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