O quadro sombrio que anunciamos, algumas semanas atrás ( Nuvens Negras sobre a Lava Jato), parece completar-se. As últimas providências na área do Governo Federal estão a indicar que a Operação Lava Jato agoniza, para gáudio dos delinquentes: políticos com “rabo preso”, magistrados que desonram suas togas, empresários e agentes do Poder Executivo – corruptos e corruptores.
O procurador da república Deltan Dalagnol pede afastamento por razões familiares e, de quebra, recebe do Conselho Nacional do Ministério Público uma advertência provocada pelo mais desacreditado dos nossos senadores, aquele que coleciona processos de corrupção: Renan Calheiros. Em sequência, doze jovens procuradores pedem afastamento de suas funções, por não mais encontrarem condições satisfatórias de trabalho. Sua excelência, o Procurador Geral da República, determina a centralização de todos os processos nas mãos de uma “coordenadora”, em claro desrespeito ao princípio da autonomia dos membros do MPF. E, como arremate, em chocante extravasamento de hipocrisia, o senhor Augusto Aras proclama que “a Operação Lava Jato pode acabar, mas não o combate à corrupção”.
Só falta mesmo o “reconhecimento” da suspeição do juiz Sérgio Moro pelo Supremo Tribunal Federal. O indefectível Gilmar Mendes espera o momento propício para levar o caso a julgamento. E a nós, cidadãos brasileiros de boa fé, o que nos cabe? Compor uma elegia à esperança que morre? Entoar compungidos cantos fúnebres à falecida? Talvez nos reste apenas um consolo: o de saber que os responsáveis por esse crime de lesa pátria – farsantes, hipócritas, cínicos – não escaparão ao juízo da História. Serão relegados ao seu quarto de despejo.
Parabéns pelo editorial que me faz questionar: confirmando-se esse retrocesso imposto, em última análise, pelo patrimonialista STF às conquistas da Lava jato, entre outras, como voltar a acreditar na Justiça e, por extensão, em um futuro decente para este país?
Sérgio A.
A corrupção desapareceu com a Lava Jato? Ao que parece, não. A Lava Jato formou um projeto paralelo de poder, que é o daqueles que estiveram à frente dela. O Sr. Deltan Dallagnol queria usar o dinheiro recuperado da Lava Jato para criar um fundo sabe-se lá para que destinação. O Sérgio Moro atuou como chefe e mandante da operação, em clara posição de superioridade hierárquica sobre o Ministério Público, o que é proibido pela Constituição. E isso obviamente lançou o ex-juiz ao mundo político, sendo ele visto como possível candidato a presidente da República em 2022. Eu me pergunto se adianta, de fato, exaltar o combate à corrupção tendo um mis-en-scène tão tosco como esse. A Lava Jato é uma operação personalista e destruidora de empregos. Todas as operações anticorrupção de países mais avançados democraticamente tomaram o cuidado de punir os cabeças dos esquemas sem destruir as empresas, de quem dependem os trabalhadores para o seu sustento. Por que nada disso é dito nesses elogios tão rasgados à Lava Jato?
Caro Gontijo
Muitos estão criticando a Lava Jato pelos seus excessos. Alguns por razões espúrias, como o ressentimento e o ódio por esta ter destruído mitos e líderes tão estimados, como Lula; outros porque foram atingidos; e alguns por legítimo zelo pelas instituições e seus limites – com estes eu me alinho.
O problema é, que se lançarmos um olhar mais amplo sobre nossa história veremos que todas as leis sempre foram forjadas para proteger os interesses de uma elite, nem sempre, ou quase nunca, interessada na maioria da população. Cito, apenas para exemplificar os casos dos escravos e das mulheres.
Nossa história é um perverso e sistemático esquema de locupletação de parte importante das elites econômicas fazendo uso dos recursos do Estado. É impossível você achar em uma obra pública, um tijolo ou um byte, que não carregue em seu bojo a mancha da corrupção.
A Laja Jato – e veja que não estamos falando de pessoas – foi um feliz acidente em nossa história republicana que rompeu um elo dessa secular cadeia da corrupção. Moro e Dallangnol tem seus méritos ,sim, por não ter cedido as pressões e ameaças.
Excessos devem ser punidos, claro, entretanto – aí é uma afirmação delicada – sem estes excessos jamais teríamos rompido esta cadeia. Sem Moro ter divulgado o telefonema de Dilma e Lula, jamais, digo, jamais o STF teria avançado com as investigações que desaguaram no impeachment. Digo, brincando, que ali se deu um segundo Grito do Ipiranga.
Bem, é isso, torço para que você seja do terceiro grupo, pois lulopetistas fanáticos e corruptos, não passariam da terceira linha em sua leitura.
Saudações,
João Rego
Acho que o senhor Gontujo não passou da terceira linha desta sua postagem, João R.
Sou crítica da Lava Jato, por sua espetacularização, e pelo efeito colateral da lavajatice, um fenômeno que contribuiu para levar Bolsonaro à Presidência. E não foi simplesmente porque, como afirmou Bolsonaro esta semana, tirou Lula do páreo. Continuo a insistir que prender meia dúzia ou dúzia e meia de corruptos, mesmo poderosos, não é maneira de combater corrupção; é preciso mudar instituições, a começar pelo sistema eleitoral, que facilitam e até são incentivo à corrupção. Então eu repito a pergunta de Gontijo: “a Lava Jato diminuiu a corrupção?” Para mim está óbvio que não. Li até o fim a resposta do nosso Editor, e só me faz repetir a pergunta. A espetacularização e politização deu no que deu, pretexto para o desmonte atual. Sim, Renan Calheiros é corrupto, uma das mais danosas figuras da política nacional, comemorei sua derrota, mesmo sendo para Alcolumbre. Mas o CNJ está certo: se Dalagnol queria discutir as eleições para a Presidência do Senado, que pedisse demissão do MP. É lamentável para a democracia no Brasil o quanto o Judiciário está desmoralizado, não se acredita em sua isenção, há sempre um flaflú sobre decisões da Suprema Corte. Mas fez por merecer a reputação. E a Lava Jato não o redime, pelo contrário, a sua lógica é a da politização da Justiça. Não é à toa que se suspeita da isenção das novas operações.
Cara Helga,
A pergunta de Gontijo, se a Lava Jato acabou a corrupção é um falso desvio do conteúdo central do editorial, acrescido da minha resposta a ele. Ora, em nenhum momento foi dito aqui que a Lava Jato tinha como objetivo “acabar a corrupção”. A corrupção é um comportamento do homem, desde os primórdios, não vai acabar nunca, posto que sua natureza pulsional existe numa perene relação dialética com a ética e a lei.
O que os estados modernos tem conseguido é diminuir o espaço dessas forças, impondo a lei para os corruptos, por entenderem ser este um crime capaz de corroer as instituições, portanto, a própria democracia.
Quando destaco o importante papel de ruptura da Lava Jato, atingindo uma elite, por séculos inatingível, não lanço meu olhar para os agentes dessa ação e sim para o contexto histórico que esta representa. Moro e todos envolvidos não planejaram estar fazendo história. Foi um feliz acaso que, puxando um fio que não tinha fim, chegaram aos poderosos. Os excessos cometidos, ou os erros políticos de Moro ou Dallangol, claro, devem ser punidos. É muito importante perceber que a Operação Lava Jato influenciou outros juízes, como Bretas no Rio, a atacarem o núcleo duro da corrupção no Rio de Janeiro, com vários ex-governadores presos.
É, portanto, de história política e mudança cultural na estrutura de poder que estamos falando, pois é aí que esperamos mudanças de padrão de comportamentos, e não de pessoas, estas, pela sua natureza, vulneráveis a fama e as benesses do poder.
Um abraço