Alfred Nobel (em sueco, tônica no “e”) ficou milionário não por conta dos pobres versos que vivia escrevendo; mas, sobretudo, com um de seus 355 inventos, o balistite – precursor de outros explosivos militares sem fumaça, como a dinamite. Grande fabricante de armas, viveu bem até 1888. Quando teve seu obituário publicado em jornal francês, só um engano, que morto era seu irmão Ludug. Por conta do título, O Mercador da Morte Morreu. Ficou traumatizado. E no último testamento que fez, para redimir seu nome na posterioridade, instituiu o Prêmio Nobel. Em cinco categorias – Física, Literatura, Medicina, Paz e Química. O não ter criado um para Matemática, segundo lenda, teria sido só vingança para com amante de uma das suas amantes, o matemático Gösta Mittag-Leffler. É possível. Tudo é possível.
Não faltam curiosidades, em torno desse prêmio. Por exemplo não compareceram, à cerimônia, cinco laureados da Paz: Carl von Ossietzky (1936), por estar num campo de concentração nazista; Andrei Sakharov (1975), ante o perigo de sofrer represálias do então governo soviético; Lech Walesa (1983, na Polônia) e Aung San Suu Kyi (1993, líder da oposição birmanesa), com receio de não poder voltar a seus países; e Liu Xiaobo (2010), dissidente chinês, que estava preso. Boris Pasternak (1958) e Sartre (1964) recusaram o prêmio. Quando perguntaram se estava arrependido, Sartre respondeu com frase existencialista, “Isso me salvou a vida”. Samuel Beckett, ao receber a notícia da sua premiação (1969), disse: “Meus Deus, que desastre” (?). Churchill ganhou o seu, com 79 anos, só por ser o homem com maior prestígio na Europa, à época. E, não podendo receber nenhum dos outros prêmios, muito menos o da Paz, acabou ficando com o de Literatura (1953). Até morrer, 11 anos depois, continuou, todo santo dia, bebendo duas garrafas de conhaque e fumando uma caixa de charutos. Gênio. Ao menos quanto aos charutos.
Entre não ganhadores ilustres estão escritores como Fernando Pessoa, Henry James, Jorge Amado, Joseph Conrad, Kafka, Proust, Rainer Maria Rilke, Tolstói. Além de nosso Dom Helder (Pessoa) Câmara, por nove vezes indicado ao da Paz, não ganho sobretudo por gestões do governo militar, nos negros anos. Mas cumpre destacar, aqui, o que ocorreu com o enorme escritor Jorge Luis Borges (Ficciones, O Aledh). Escolhido pelo Comitê da Academia Sueca na reunião preparatória, em maio de 1976, acabou não sendo confirmado na de novembro (perdeu para Saul Bellow). Porque, em 22/09 desse ano, visitou o ditador Augusto Pinochet. E, conservador, disse num discurso infeliz: “Não sou digno da honra de ser recebido pelo senhor, Presidente… Na Argentina, Chile e Uruguai estão sendo salvas a liberdade e a ordem. Isso acontece num continente anarquizado e solapado pelo comunismo”. A partir daí, nunca mais seria cogitado. Com relação a ele, o comportamento de Gabriel (José) García Márquez, está no seu livro Crônicas, é exemplar: “Nada nos agradaria tanto a nós, que somos ao mesmo tempo seus leitores insaciáveis e seus adversários políticos, sabê-lo por fim libertado de sua ansiedade anual”. Tanto que Umberto Eco, em O Nome da Rosa, o retratou no personagem Jorge de Burgos. O argentino viveu os últimos anos em Genebra, onde estão seus restos, no cemitério de Plainpalais – escritos, no mausoléu, versos de Byrhtnoth (Batte of Maldon), “Não tenhas medo de nada”. E lá morreria, 10 anos depois, angustiado e cego. Em metáfora, é como se tivesse desistido de ver o mundo por seus olhos tristes.
Precisamos aprender com essa lição de tolerância. A arte de conviver. O reconhecimento de méritos, pelo leitor, mesmo quando o autor é um adversário político. E isso é necessário, sempre, mas sobretudo no Brasil de hoje. Radicalizado. Sem paciência. Destilando ódio por todos os poros. Não há mais “adversários”, como nas palavras de Márquez. Apenas inimigos. Vemos, com pesar, amigos queridos se afastando. E nada podemos fazer para impedir. É desalentador. Cobras, na lição de Doralécio Fortes Lins e Silva (300 Perguntas e Respostas sobre Animais Peçonhentos e Venenosos), só conseguem ver o preto e o branco. Hoje, estamos assim. Ou preto, ou branco. Imitando cobras. Pretos contra brancos. Pior é que já não conseguimos ver cores, em nosso dia a dia, somente o cinza, sem ser mais capazes de contemplar a beleza da vida. Perdão, amigo leitor, mas não há mocinhos nem bandidos, nessa história. Somos todos e cada um, de alguma forma, culpados. E precisamos, urgentemente, reaprender a valorizar nossas diferenças. Se conseguirmos, conseguiremos tenho fé, o risco é acabar caindo numa democracia de verdade.
Para encerrar, e pensando em nosso futuro, lembro palavras de Gabo, ao receber seu Nobel de Literatura em 1982: “Frente à opressão, ao saque e ao abandono, nossa resposta é a vida… Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até a forma de morrer, onde verdadeiramente seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham por fim e para sempre uma segunda oportunidade sobre a terra”. Amém.
Ótima coluna!
Tema oportuníssimo e tratado com apuro e delicadeza. Conservemos a tolerância! E por um boi não percamos a boiada.
Abraço