At the crossroad by Victoria Dubovyk.

 

Embora seja precipitado, considerando que estamos longe do início da campanha eleitoral e nem sequer estejam postas as candidaturas, os analistas políticos se comportam como se a polarização entre Lula e Bolsonaro estivesse consolidada. Muitos acenam para um confronto entre o bem e o mal, entre a democracia e a barbárie, o ex-presidente Lula anunciado como a última fronteira contra o avanço do autoritarismo destrutivo de Bolsonaro. Além da pressa em decretar a impossibilidade de uma alternativa à polarização, para que Lula seja alçado à posição de guardião da democracia, é necessário que ele abandone claramente a ideia de controle social da imprensa (que continua repetindo) e o apoio sistemático que vem dando aos governos ditatoriais da Venezuela e da Nicarágua. 

De qualquer forma, antes mesmo dos resultados eleitorais, a consolidação desta polarização eleitoral tende a esvaziar o debate político, reduzido a agressões e ataques verbais (ditador e criminoso, de um lado, ladrão e comunista, do outro), e deixando de lado a discussão em torno de um projeto para o futuro do Brasil. Certo, devemos impedir as intenções golpistas e ditatoriais de Bolsonaro. Mas então, o que fazer para abrir um ciclo de desenvolvimento do Brasil, quais são a prioridades para o futuro? 

Até agora, tudo o que Lula falou em discursos e reuniões políticas mostra que ele continua prisioneiro do cansado nacional-desenvolvimentismo, que teve sucesso no passado, mas que não tem mais a menor consistência com o mundo da globalização e das revoluções tecnológicas, nem com o Brasil contemporâneo e suas novas contradições. Embora tenha dito na entrevista à Time que não ia apresentar proposta para a economia, como se o eleitor fosse dar um voto no escuro, nos pronunciamentos Lula promete desfazer o que foi realizado até agora, e continua centrando suas baterias na revogação de algumas importantes reformas realizadas desde o governo de Michel Temer (algumas das quais, necessário reconhecer, continuadas no governo do demolidor maior). Sendo assim, o preço para impedir a reeleição de Bolsonaro seria um grande retrocesso nas reformas estruturais: suspensão das privatizações e submissão das empresas de capital misto (como a Petrobrás) aos interesses políticos do presidente da República, revogação da reforma trabalhista e eliminação da âncora fiscal representada pelo teto de gastos – que devem empurrar o Brasil para o fracasso. 

O Brasil precisa, portanto, de uma candidatura com um projeto alternativo que seja capaz de quebrar a polarização com propostas diferenciadas dos dois candidatos que lideram as pesquisas, elevando o nível e a qualidade do debate em torno de uma estratégia de reconstrução nacional. Que, ao mesmo tempo, consolide a democracia, jogando Bolsonaro para o lixo da História, e aprofunde e amplie as reformas estruturais, especialmente a reforma administrativa e a reforma do Estado, para conter a elevação das despesas primárias (em vez de suspender o teto de gastos, abrir espaços no orçamento para aumento dos investimentos) e aumentar a eficiência do setor público. 

Não se trata de uma vaga e indefinida terceira via, mas de uma candidatura que promova um debate com a sociedade em torno de um projeto de desenvolvimento e reconstrução nacional contemporâneo, e consistente com a realidade de um país de renda média, com baixa competitividade econômica e produtividade e com elevada desigualdade social. Quem seria este candidato? Ainda não parece visível no horizonte. Ciro Gomes não se enquadra nesta tendência política alternativa, porque, embora se apresente contra os dois candidatos que lideram as pesquisas e tenha um projeto, suas propostas estão carregadas do mesmo arcaico nacional-desenvolvimentismo de Lula, de quem tenta diferenciar-se apenas pelo discurso contra a corrupção. Pode ser mesmo que não surja uma candidatura viável capaz de quebrar a polarização, mas existe na sociedade brasileira (entre os intelectuais e os políticos) uma percepção, mesmo ainda imprecisa, de um projeto de reconstrução nacional que tem como pressuposto o equilíbrio fiscal e as reformas estruturais, para recuperar a capacidade de investimento do Estado, com total prioridade nos ativos sociais (educação, qualificação profissional e saneamento). Enquanto Lula e Bolsonaro disputam para ver quem é mais generoso na transferência de renda, quem oferece mais assistência social à população vulnerável, sem esquecer as emergências, um projeto de reconstrução nacional deve se voltar para investimentos de larga escala nos ativos sociais. Ao mesmo tempo, encaminhar uma reforma tributária que, além da simplificação do sistema, reformule os mecanismos de incentivos que geram elevada renúncia fiscal para proteção de setores obsoletos, promover uma abertura externa programada, e estimular a inovação, combinação que contribui para o aumento da competitividade e a produtividade da economia. A recuperação da capacidade de investimento e aumento da eficiência do Estado permite reforçar o provimento de serviços públicos, especialmente educação, capacitação profissional e saneamento, e otimizar o poder regulador, com ênfase na gestão ambiental, em busca de uma economia de baixo carbono.

Esta é uma vertente política relevante no meio intelectual brasileiro, em amplos segmentos da sociedade e entre políticos que pensam o Brasil (não são muitos, é verdade). Pode não existir ainda uma terceira via eleitoral, mas existe, sim, um projeto alternativo de desenvolvimento nacional. Infelizmente, esta tendência carece de lideranças capazes de empolgar os brasileiros com uma candidatura viável, que quebre a nefasta polarização entre o populista que destrói o presente e aquele que se orienta pelo passado, ambos ameaçando o futuro do Brasil.