Acordei no modo calmo. Bem dormido. Tomei banho, depois comi sucrilho. De máscara, desci no elevador. E liguei Tide, de Jobim, no carro. Destino: Livraria da Praça. Tarefa: buscar Rato de Redação, a História do Pasquim.
Para os que tem menos de trinta anos: Pasquim foi um hebdomadário que começou a circular no Rio de janeiro, no dia 26 de junho de 1969. Com entrevista de Ibrahim Sued. Anunciando que o sucessor do presidente Costa e Silva seria o general Emílio Médici. Na mosca. A era o auge da ditadura. E chegava às bancas um jornal de humor, de opinião, de crítica social. Uma pitada de ironia e molho de deboche.
Seus cofundadores foram Luís Carlos Maciel, que assinava a coluna Underground, trazendo Kerouac, Castanheda e Ginsberg; Paulo Francis, que escrevia sobre política internacional em textos longos, bem escritos; e Sérgio Augusto, centrado em cinema, literatura e imprensa.
Além deles, constava da lista de presença Millôr Fernandes, autor e gênio; Ivan Lessa, cronista; Tarso de Castro, iconoclasta. Colaboraram sem pontualidade Chico Anysio, Rubem Braga, Fernando Sabino, Aldir Blanc.
Foram correspondentes internacionais, durante o período de exílio, Chico Buarque, na Itália. E Caetano Veloso, em Londres.
Também colaborou Henfil, inventor do Fradim e do Caboclo Mamadô. Ao lado de Jaguar, criador do ratinho Sig. Uma das criativas aparições no jornal foi a Pasquim-Novela, interpretada por José Lewgoy, Nei Latorraca, Leila Diniz e Stepan Nercessian.
Como tudo que é bom, o jornal durou menos que o desejado. Até deixar de circular década depois. Na redação, dizia-se que era jornal a favor de leitores e anunciantes. E não tão radical quanto o velho PSD de Minas. Anunciavam no Pasquim a Shell, a Skol e as casas noturnas de Ricardo Amaral.
O nome do jornal nasceu de argumento usado por Jaguar: “Já que vão nos chamar de pasquim, vamos usar o nome antes. Inventem outros para nos xingar”. E o ambiente da redação era regado a uísque e camaradagem. Com breves intervalos de discussão. Que acabavam inexoravelmente na mesa do Jangadeiros.
A tiragem inicial de 3 mil exemplares acabou no mesmo dia. Mandaram imprimir mais 14 mil exemplares. Esgotou-se em dois dias. Nova rodada de impressão de 20 mil exemplares. O jornal não tinha projeto gráfico rígido. Era bonito, ousado e criativo. Obedecia mais a inspirações do que a transpirações.
Exemplo clássico dessa linha de trabalho foram as entrevistas. Depois de gravadas, não se fazia edição. Iam para impressão na forma como estavam no gravador. Disse Jaguar: “Tiramos terno e gravata das entrevistas”.
Fora do circuito do jornalismo, três figuras se tornaram sócios ad hoc do jornal: a primeira foi a atriz Odete Lara, distribuindo beleza e talento. O segundo foi Vinicius de Moraes, assinando longos perfis de Di Cavalcanti, Carlos Leão, Antônio Maria e Ciro Monteiro. O terceiro foi Caetano Veloso, correspondente informal em Londres.
Foi no Pasquim que surgiram gírias que se tornaram conhecidas no país inteiro: paca, duca, sifu, pô. O jornal atingiu a marca dos 100 mil exemplares na edição número 20. E alcançou o cume de 200 mil exemplares na edição número 27. Após a entrevista de Leila Diniz. Em novembro de 1969. Na entrevista, a atriz pronunciou 72 palavrões. O que fazer? Jornal de humor e crítica não pode fazer autocensura. Tarso de Castro, à época editor, teve a sacada: em cada palavrão um asterisco. Deu certo. Parecia coisa da censura mesmo. E esta foi ampliada: em 1975, o jornal passou a ser liberado a partir de Brasília. E não mais do Rio.
(Continua).
Delicioso relembrar o Pasquim pelos olhos de Luiz Otávio. Bom saber que as crônicas vão continuar. Éramos todos jovens, bem humorados “apesar de você”, na lírica igualmente irônica de nosso Chico Buarque. O humor brasileiro tá precisando renascer para a gente poder respirar melhor, malgrado a poluição dos ódios reinantes nas polarizações políticas. Se não aparece, vamos recordar, que também é viver.
Concordo, Teresa Sales. Maravilha recordar o Pasquim, Cheguei a ver um ou outro exemplar. Era ironia divertida. Não é exatamente do meu tempo de Rio, pois mudei pra Brasilia em 1969. mas os personagens que depois se juntaram no Pasquim já eram mais ou menos celebridades no meu tempo de Rio, 1956–1969. Em Brasilia nunca mais soube deles, suspeito que o AI-5 tornou tudo mais difícil.