Não vou deixar passar em silêncio um tema que tanto aprecio: o silêncio. Numa crônica, Umberto Eco profetiza, e vejo que com inteira razão, que no futuro só os ricos terão direito ao silêncio. Mas terão que comprá-lo. Só que o futuro, como diz a mídia, já começou. Os ricos, quase que de uma forma atávica, têm a arte de saberem se isolar; que o digam as ilhas desertas, as propriedades do campo, os recursos tecnológicos, os iates, as mansões bem afastadas dos vizinhos… Enfim, a classe média e os pobres que se virem com o barulho, que, aliás, os cerca de todos os lados, o que não é novidade para ninguém!
O barulho é quase uma definição do que é a modernidade. O sociólogo e antropólogo David Le Breton, em seu ensaio “Du silence”, vai ao ponto: “O único silêncio que a utopia da comunicação conhece é aquele da pane, do desfalecimento da máquina, da parada de transmissão”. Com efeito, cercados de máquinas, temos que aprender a suportar seus ruídos, seus resfolegares, seus apitos. A tecnologia ainda não evoluiu para o silêncio, embora venha tentando. Curiosamente, há uma máquina cotidiana que Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta, com seu humor e agudeza, logo definiu como “máquina de fazer doido”: a televisão. Certamente, trata-se de uma das maiores inimigas do silêncio, e isso por uma razão muito simples: ela não se cala, é uma tagarela compulsiva; e quando subitamente se cala, somos os primeiros a dizer: “Está com defeito”. É verdade que há o recurso de “tirarmos o som”, mas só o utilizamos em casos excepcionais, tornando a televisão um tanto ridícula ou esvaziada…
Quer silêncio? Vamos à Antártida. Trata-se do lugar mais silencioso já visitado pelo escritor e explorador norueguês Erling Kagge, autor do admirável livro “Silêncio na era do ruído”. Kagge nos lembra que “[…] o som é um fenômeno físico medido em decibéis, mas não [acha] muito produtivo medir sons usando uma escala numérica. O silêncio se parece mais com uma ideia, um sentimento […] o silêncio mais interessante é o que trago dentro de mim”. Nesse ponto, ele lembra o Riobaldo, de Guimarães Rosa no “Grande Sertão: veredas”: “O silêncio é a gente mesmo, demais”. O diabo é que, como diz o norueguês, há uma constante fuga de nós mesmos. Enfim, não se suporta bem o silêncio, como viu Pascal, que se assustava com o silêncio eterno dos céus estrelados. Já o barulho é algo que distrai, que nos leva para longe de nós mesmos… Segundo Kagge, nós precisamos criar o nosso próprio silêncio. De qualquer forma, “O silêncio [e assim ele faz eco a Eco] é o novo luxo”.
Do ponto de vista cultural, tanto a Bíblia quanto os judeus e os árabes têm em alta conta o silêncio. Breton, já citado, lembra, a propósito, dois provérbios árabes: “Só abras a boca se tiveres certeza de que o que vais dizer é mais belo que o silêncio” e: “És senhor das palavras que não pronunciaste e escravo das palavras que te escaparam”. Várias culturas africanas também vão no mesmo sentido: a de que podemos nos salvar pelo silêncio. No mais, o sagrado e o silêncio caminham juntos na história humana. Sobre esse tema, o historiador britânico Peter Burke, no livro “A arte da conversação”, define com oportunidade: “O silêncio religioso é um misto de respeito por uma divindade; uma técnica para abrir o ouvido interior; e um sentido de inadequação de palavras para descrever as realidades espirituais”.
As relações do silêncio com as diversas culturas são de riquíssima palheta. O Japão, dentre outros países, é um caso emblemático, segundo observa o neurocientista Ivan Izquierdo no seu pequeno livro “Silêncio, por favor!”. Não obstante ser um país ruidoso, o Japão conta com “ilhas de silêncio”, jardins ou palácios onde podemos desfrutar de silêncio e serenidade. Poder-se-ia perguntar: qual de fato o povo mais silencioso? Em hipótese alguma será o brasileiro, como bem sabem os povos que nos visitam ou são por nós visitados… Diz-se que os ingleses são bons de silêncio. Mas a questão, como registra o inglês acima citado, Peter Burke, é controversa. Diz ele: “Os ingleses julgam-se falantes normais, considerando os suecos como sobrenaturalmente silentes, ao passo que os suecos consideram os finlandeses o povo verdadeiramente silente”.
O brasileiro infelizmente passa longe de qualquer amor pelo silêncio. O poeta e cronista Paulo Mendes Campos nos diz, não sem razão, que se queixar de falta de silêncio, ou, noutras palavras, de barulho, é a reclamação mais desmoralizada! Verdade gritante! Burocratas ou policiais, ou um misto dos dois, sempre nos olham surpresos como se a própria palavra “silêncio” pertencesse a um idioma desconhecido. Por sua vez, Nelson Rodrigues detonava: “Brasileiro vaia até minuto de silêncio”. Somos um povo de tagarelas? Sim. Barulhento? Sim. Reparem: até a Independência precisou de um grito! No mais, como ironicamente sintetizou Millôr, “Certos silêncios merecem resposta imediata”!
Belissimo e oportuno texto. Parabéns
Mais uma Reclamação Desmoralizada. O “Inferno das Graças ” do final dos anos oitenta mudou-se para Casa Forte/Poço da Panela. Alguém lembra do Bar Cantinho das Graças e adjacentes como Clube da Farra? Para não me alongar, além dos bares conhecidos, a encruzilhada 17 de Agosto/Rua dos Arcos/ Rua Soares de Azevedo virou o Novo Inferno. Trânsito caótico na entrada proibida a esquerda na Rua Soares Azevedo para quem vai no sentido Apipucos. Existem duas placas sinalizadoras bem visíveis. O local ganhou o Royal Tênis Clube com frequentadores ardorosos, vibrantes e GRITANTES PORNOFÔNICOS. Das 6 a mais de 22 horas. De Domingo a Domingo, inclusive feriados., afinal é uma prática esportiva, um lazer. Não importa se existem prédios residenciais com moradores precisando dormir. Os síndicos dos prédios que chamem Tim Maia (Chamar o Síndico, Tim Maia – Jorge Ben Jor) pois a Prefeitura do Recife não administra o SILENCIO DA CIDADE.
Só um grande texto para confortar. Parabéns, Paulo.