O quadro parece consolidado. Por mais esperneio do “exército de Branca- leone” dos defensores da terceira via, ela mostra pouca viabilidade. O outro candidato que se diz de esquerda não parece poder ameaçar o cenário atual. Acredito que terá que voltar para Paris. A polarização é o que nos resta para a escolha em um futuro próximo, fundamental para o perfil de país que construiremos.

A consolidação do obscurantismo. Com uma sociedade quase medieval, baseada em costumes retrógrados e preconceituosos, com desprezo à natureza e aos avanços do conhecimento, em que o obscurantismo sirva para subjugar os oprimidos e fortalecer a exploração através de instrumentos de expropriação da riqueza coletiva em benefício de poucos, é um dos caminhos apresentados. O uso irresponsável das armas, a religião como meio de dominação, o uso das novas mídias para disseminar inverdades ao ponto de fazê-las “verdades quase inquestionáveis”, instrumentos que são utilizados sem parcimônia, sem restrições. O ataque às instituições, a impunidade dos poderosos, a ameaça constante dos detentores da força, inclusive armados legalmente, como meio de intimidação, outros meios utilizados, ou potencialmente possíveis, para amedrontar e impedir qualquer avanço rumo à modernidade e ao bem estar de um povo oprimido. Este é um dos projetos que nos tem sido vendidos.  Medo e conservadorismo, sua base.

Uma alternativa de esquerda. A busca de inclusão social, sua base. O resgate de visões que têm na modernidade, no uso do conhecimento técnico científico, na preocupação com a pobreza e com os excluídos seus alicerces, seus pilares para a reconstrução de nossa sociedade. A busca de um projeto que dê legitimidade e respeitabilidade ao país internacionalmente, que procure se articular com as dinâmicas dos países mais desenvolvidos, sem preconceitos, seja com a China ou com os americanos. Uma proposta que elimine preconceitos nas áreas de costumes, seja com as mulheres, com os indígenas ou com os negros, que não se baseie no armamento indiscriminado de uma ampla população despreparada para o uso dos instrumentos, que não queira usar o poder como mecanismo de destruição das instituições e da estabilidade jurídica do país. Resgate de rumos e busca de uma modernidade que respeite o ser humano e o meio ambiente, caminhos sugeridos.

Pelo exposto acima, evidentemente, fica clara qual a minha opção. No entanto, alguns reparos precisam ser feitos, e é o motivo deste breve artigo. 

Tenho sido contatado, para minha felicidade, por grupos que se mobilizam na busca de colaborar para a mudança de um cenário tão cruel como o que nos encontramos. Grupos que têm auxiliado na pré campanha de possíveis candidatos, que se opõe ao modelo que nos últimos quatro anos aterrorizou o País. Minha história de vida, acho, me credencia a poder, no mínimo, ser “pitaqueiro”, dar palpites em áreas em que construí carreira e me aperfeiçoei.

Todos os documentos que tenho analisado são consistentes e bem estruturados. Vão na direção das diretrizes descritas acima. Algumas análises extrapolam, alicerçadas nas teorias mais modernas, nos conceitos desenvolvidos por lideranças internacionais das áreas de planejamento, economia, educação, conhecimento, entre outras, fazem diagnósticos bastante precisos e bem consolidados. Minhas angústias se prendem, no entanto, às propostas, ao como fazer, ao como avançar. Esses são pontos em que tenho dificuldades em dialogar com os colegas analistas, com os documentos que à minha mão têm chegado.

Há sempre uma visão saudosista, a busca de retornar ao mundo de dez anos atrás. Resgatar o perfil institucional, os valores, as ações que eram características, que eram sempre “corretas”. Vejo nos diversos documentos que a base das propostas está na volta ao Governo de início da década passada. Não encontro propostas que se alicercem em um mundo que está passando por profundas transformações. 

Um mundo que rapidamente passou do unipolar, quando da queda do Muro de Berlim, com a hegemonia americana indiscutível, para a bipolaridade, com a consolidação chinesa como potência, para uma nova configuração, com o ressurgimento da Europa como força de alicerce econômico. 

Um mundo que está em guerra e tem suas cadeias de suprimento questionadas, que aponta para crises profundas em que a miséria e a fome podem se aprofundar, em contrapartida com fortunas inimagináveis que surgem sem saber-se exatamente como ou por que. 

Um mundo em que uma revolução tecnológica vem se acelerando, não só na área de informática e nos mercados digitais, mas no qual novos materiais, novas energias, transformações genéticas profundas e novas lógicas cognitivas fazem vislumbrar, sem sabermos exatamente os rumos, uma sociedade muito diferente, e com características que podem ser bastante excludentes.

Como pensar o país com uma visão de futuro inquietante, em que a incerteza e o excesso de fatores incontroláveis surgem para dificultar o planejamento de qualquer sociedade, é o problema. Pensar o país pelo retrovisor, no resgate de situações ocorridas há poucos anos atrás, pode ser um passo. Mas é só um passo. O desmonte foi péssimo, as instituições e os princípios de desenvolvimento devem ser reorientados para rumos coerentes e adequados para dar sustentação a um novo projeto. Novo projeto que tem que ser construído, com vistas nas mudanças aqui descritas.

Vejam o retrovisor para adequar o quadro existente, mas não deixem que a vista perca a noção do que está por vir à frente.