A proposta de arcabouço fiscal apresentada pelo governo ao Congresso reformula, flexibiliza e melhora o Teto de Gastos, que já tinha implodido nos últimos anos, precisamente porque era rígido e demandava um esforço de redução de gastos numa dramática situação de crise econômica e social, além de exigir a realização de reformas estruturais que conteriam a inércia de expansão das despesas primárias. A grande mudança da nova regra consiste em permitir que haja aumento real das despesas primárias, mas limitado a um outro teto, neste caso vinculado às receitas: aumento de no máximo de 70% de elevação da receita pública, e nunca ultrapassando 2,5% das despesas do ano anterior. Desta forma, sempre que houver um aumento da receita, o governo tem espaço para elevar as despesas, mas sempre deixando um mínimo de 30% deste aumento para compor um superávit primário que permita conter o crescimento da relação dívida/PIB.
Quando o ministro Fernando Haddad deu conhecimento dos fundamentos do arcabouço fiscal, no final de março, conseguiu a aprovação da grande maioria dos economistas e dos agentes econômicos, mesmo daqueles que manifestavam a preocupação com uma orientação do modelo para o aumento de receita, e não o corte de despesas. Estes fundamentos se mantêm no detalhamento da proposta apresentada agora ao Congresso. Entretanto, como diz o provérbio, o diabo está nos detalhes que, no caso da regra fiscal, reside nas exceções, itens de despesa que ficam fora do limite permitido para aumento dos gastos (70% da elevação da receita) e que, portanto, reduzem a possibilidade de formação do superávit primário. Algumas das treze exceções são muito questionáveis, como: a) transferência de recursos para Estados e Municípios que cumprirem o piso salarial da enfermagem; b) destinação dos recursos públicos para a capitalização de empresas estatais não financeiras e não dependentes. Sem julgar o mérito social ou a relevância política, a inclusão do piso salarial da enfermagem nas exceções do arcabouço fiscal sinaliza para futuros pedidos de excepcionalidade, movidos por conveniência política, sempre que se tenha de resolver um conflito, como o nó criado pela definição do referido piso salarial.
Para não cortar gastos, o governo está empenhado no esforço de aumento da receita. E como, no futuro imediato, não se espera um crescimento razoável do PIB-Produto Interno Bruto, o fisco precisa cobrar mais impostos. Haddad prometeu que o aumento da receita não virá de novos tributos nem de aumento das alíquotas, mas da cobrança de impostos de setores da economia que, segundo ele, não pagam imposto, ou são beneficiários de alguma renúncia fiscal. Para isso, terá que enfrentar grandes resistências políticas e um provável veto do próprio presidente Lula da Silva, preocupado com a sua popularidade (o que acaba de ocorrer com a confusão dos sites chineses). O arcabouço fiscal pode ajudar a retomada do crescimento econômico, na medida em que recupera a confiança dos agentes econômicos no equilíbrio fiscal. Mas dificilmente teremos resultados positivos no curto prazo, ao ponto que venha a elevar a receita e, desta forma, viabilizar a expansão dos gastos públicos.
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