A Florença tropical, de que falava Camus, ao visitar o Recife, continua a chorar. Não para de chover. O jeito é ficar em casa, preparar um arábica verde, na máquina. E voltar a ler a biografia de Lincoln.
Em certo trecho, o texto me lembrou episódio ocorrido horas antes da votação e aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. Com concordância do governador Tarcísio de Freitas em apoiar o projeto do governo. E a deseducada reação do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas, vamos ao exemplo do então presidente norte-americano. Eram os idos de março de 1865. As tropas da União, comandadas por Grant, estavam à beira de derrotar os confederados. Liderados pelo general Lee. O ex-presidente Lincoln fora a Richmond prestar apoio aos soldados. Visitava as tendas onde os feridos estavam sendo atendidos.
Lincoln havia assinado a declaração da abolição no dia 1 de janeiro. Os negros exultavam. Alguns deles se aproximavam do presidente para cumprimentá-lo. Lincoln lhes estendia a mão. E buscava instaurar uma relação de confiança com afrodescendentes. O próximo passo seria estender a eles o direito de voto.
Na reunião com os generais legalistas, Lincoln deu a ordem: assinada a rendição, incondicional, os revoltosos deveriam retornar a suas casas, no Norte, com suas armas e seus cavalos. Diante da ponderação de um dos oficiais, Lincoln acentuou: se nós os tratarmos como revoltosos, eles se comportarão como tal. E completou: ganhamos a guerra para manter a integridade da União. Somos todos cidadãos do mesmo país. E assim devemos tratá-los.
Lembrei do Brasil. Do clima pós-eleitoral. Da sensatez do governador paulista. De necessária conciliação. E recorri à História da Conciliação no Brasil (Bagaço, 2009).
O século 19, no Brasil, foi vermelho de sangue na primeira metade (1817-1849). E foi branco de conciliação na segunda metade (1850-1889). Nesta, realizou-se a política de conciliação do Segundo Reinado. Com o gabinete do marquês do Paraná. No país, conciliação é vocação social. Expressando tipo cultural brasileiro. E é estratégia política. Realçando ato de vontade. Com seus limites e possibilidades.
Basta lembrar a Constituição de 34, aprovada por Getúlio Vargas. Para amenizar a oposição paulista à Revolução de 30. Ou a emenda parlamentarista, sugerida por Tancredo Neves, em 1961, para viabilizar a posse de Jango na presidência. Superando o veto de militares. Ou a transição segura, lenta e gradual que finalizou a ditadura de 64. E determinou, em 1985, a posse de José Sarney, vice de Tancredo, eleito presidente, mas preso a um leito de hospital.
De um lado, conciliação é manifestação da cultura brasileira. Pode-se ler Sérgio Buarque de Holanda. De outro lado, é conceito político. Estratégia de ação. Pode-se ler José Honório Rodrigues. São complementares. Porque resultam de mescla. Um ser cultural e um fazer político. Que não se opõem. Antes, confluem. Justapondo-se. Para concretizar um sonho de verão. Ou um projeto institucional.
A propósito de temperos nacionais, anote-se Hannah Arendt: “O que na França era paixão e gosto, na América era experiência. E o pragmatismo americano que, no século 18, falava de felicidade pública, enquanto os franceses mencionavam liberdade pública, mostra diferença.”
Conciliar é continuar sem ruptura. Avançar sem romper. É o que os brasileiros querem. E, para isso, precisam conversar. E se entender. É o que compreenderam Arthur Lira e Tarcísio de Freitas. Trata-se de distinguir o que é fatia partidária e interesse nacional.
Há quatro décadas, a economia brasileira espera um sistema tributário moderno, eficiente e desburocratizado. Esta foi a conquista substantiva, produtiva, de uma madrugada sensata. Mas, há também uma consequência política importante: o acordo que se segue, entre governo e oposição, isola os extremistas. Deixa a extrema direita só com suas obsessões. Fortalecendo a política de centro democrático.
Vale concluir com Paulo Mendes Campos:
“Não há crédito desmedido de esperança
Nem a verdade dos supremos desconsolos
Simplesmente a tarde transparente.
Os vidros fáceis das horas preguiçosas,
Adolescência das cores, preciosas andorinhas”.
O nosso Luiz Otávio consegue fazer história e poesia. Seu artigo reúne e revela erudição e sensibilidade. Só nos resta dar parabéns.
Que beleza de artigo! Como disse o querido Sergio Longman, erudição e sensibilidade, histótia e poesia, tudo jinto sobre a nossa realidade brasileira. Parabéns !!!