No último mês de julho o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), formado pelo presidente do BNDES, ministros e representantes da sociedade civil, voltou a se reunir após sete anos desativado, estabelecendo um programa de trabalho para a implementação de uma política de neindustrialização. Esta nova agenda, diferente da tradicional “reindustrialização”, é marcada por objetivos onde o estímulo da retomada da atividade de transformação estão concentrados em setores e processos sustentáveis econômica, social e ambientalmente, como uma resposta ao processo de desindustrialização ocorrido no país. O “Conselho” deve começar a apresentar os primeiros resultados agora, no final de novembro, para em reunião no próximo mês ser validada. A forma com que a Câmara dos Deputados reagiu aos debates deste conselho e despertados por ele é crucial para a implementação qualificada das políticas propostas, e este é o principal objetivo aqui.
Por isso, a discussão coordenada pelos deputados Pedro Uczai (PT/SC) Félix Mendonça Júnior (PDT/BA) e Dr. Luiz Ovando (PP/MS) no grupo de trabalho Reindustrialização Brasileira no Contexto da Transição Energética e da Descarbonização, um dos 4 GT’s do CEDES (Centro de Estudos e Debates Estratégicos) torna-se crucial para medir como o parlamento discutirá como uma estratégia de neoindustrialização/reindustrialização no contexto da Economia Verde e da Economia 4.0 pode responder às missões de sustentabilidade. Para contextualizar os trabalhos do GT é fundamental entender o papel deste foro de direcionamento estratégico das pautas prioritária desta casa do parlamento e o que afinal entende-se por neoindustrialização, e depois relacionar como trata esta agenda com alguns apontamentos suscitados em torno do assunto.
O CEDES foi criado em 2019, é composto atualmente por 23 parlamentares de 8 partidos (PP, Cidadania, PT, PL, Podemos, PDT, Republicanos e MDB), e sua principal atribuição é aprofundar através de pesquisas em temas considerados disruptivos, a serem conduzidos no legislativo. Tem um caráter consultivo, o que permite que as atenções se concentrem no que está sendo debatido, e não na composição de forças que resultará na aprovação ou rejeição de determinada proposta. Os outros 3 temas de grupos de trabalho neste biênio 2023-2024 (CEDES,2023a) são: (i) combate ao racismo e desigualdade de gênero, (ii) violência nas escolas e um quarto intimamente ligado assim aqui tratado, (iii) inteligência artificial e inclusão digital na esfera do trabalho, que discuti no início do ano (BATISTA, 2023).
Um primeiro detalhe importante é o fato de nas discussões sobre retomada da atividade de transformação está-se usando o termo “reindustrialização”, ao invés de neoindustrialização. De fato, este segundo conceito foi introduzido recentemente na produção acadêmica brasileira, ainda está em formação, mas já é possível compreender em que consistem suas linhas gerais. De acordo com Moura e Guedes (2023), nenhum país que se desindustrializou conseguiu se reindustrializar nos moldes anteriores, sendo que o conceito de neoindustrialização considera tanto as transformações da digitalização IoT que tornaram “inovação e catchingup menos diretamente pecuniários e mais incertos, difusos e complexos”, quanto a nova tendência em se pautar as políticas industriais em torno de missões consideradas relevantes no debate público, como demandas de saúde educação, habitação, transição energética, uma Economia Verde e descarbonizada.
Feijó, Feil e Teixeira (2023) aprofundam estes dois aspectos da neoindustrialização, tomando o conceito como uma forma de reindustrialização dentro dos objetivos da Economia 4.0 e do Acordo de Paris. Partem da assumida pelo atual Governo Federal abordagem das missões de desenvolvimento sustentável proposta por Mariana Mazzucato, em que o Estado assume o protagonismo investindo onde e como pretende articular os atores econômicos, sociais e políticos (promovendo a governança), induzindo o catchingup em setores prioritários (no caso, tecnologias e setores produtivos que atendam a demandas ambientais, sociais e econômicas). Feijó, Feil e Teixeira apontam 4 missões finalísticas para nosso Green New Deal (aumentar grau de processamento nas atividades intensivas em recursos naturais – agropecuária e extrativismo -, aumentar eficiência ambiental destes setores, mobilidade urbana e transportes e insumos em saúde e área militar) e 5 para promoção de catchingup (descarbonização dos processos industriais, eficiência energética, integração da produção industrial à conectividade 4.0, tratamento de resíduos sólidos e P&D para todas estas áreas).
Há um forte paralelismo entre as concepções e propostas de neoindustrialização apontadas pelos autores e o que está se propondo no GT – Reindustrialização Brasileira no Contexto da Transição Energética e da Descarbonização, coordenado por Uczai, Mendonça Júnior e Ovando. No programa de trabalho iniciado em agosto eles definem como objetivo do grupo realizar um aprofundamento “sobre setores industriais específicos e tecnologias transversais, a relação da indústria com serviços e agricultura e os desafios produtivos e tecnológicos setoriais da indústria brasileira”, e como, a partir disso, “contribuir para o planejamento de uma reindustrialização sob bases novas, que seja tecnologicamente avançada e ambiental e socialmente e sustentável” (CEDES, 2023b, p. 4-5). Para tal, os trabalhos estão organizados em 6 eixos: a) Contextualização da economia mundial e da situação econômica e social brasileira; b. Avaliação de políticas setoriais recentes; c. Condições macroeconômicas para a reindustrialização; d. Setores industriais; e. Novas tecnologias, transição energética e descarbonização e; f. Financiamento.
Como os eixos “a” e “b” tratam de analisar outras iniciativas correlatas ao que se pretende, “c” e “f” tratam de como criar condições macroeconômicas e de financiamento para que estes objetivos sejam atingidos, e pode-se dizer que os itens que abordam precisamente o que se entende por objetivos concretos da reindustrialização/neoindustrialização são os “d” e “e”. No “eixo e” é bastante enfático na estratégia de buscar novas alternativas de energia limpa e formas de produzir que emitam menos carbono, aproximando-se ao que alguns autores chamam de ecoinovação; no longo prazo, inovações capazes de esgotar ou depreciar os recursos naturais mostram-se economicamente vantajosas para os agentes econômicos, sendo fundamentais medidas que permitam aos produtores esperar este tempo (Ali e Puppim de Oliveira, 2018).
Encontrar o conjunto de setores produtivos que possam “recuperação de elos produtivos estratégicos” e, assim, impulsionar externalidades positivas para o todo da economia consiste da preocupação central do “eixo d”. Este ponto tona-se fundamental para o planejamento da ação do Estado, pois na escolha dos setores prioritários pode-se ou não conseguir responder a demandas social e ambientalmente fundamentais. Através desta seleção é que uma política nacional de neoindustrialização pode, além de incrementar o valor agregado do que é produzido aqui de uma forma integrada a um Green New Deal, satisfazer às demandas sociais urgentes, tal como foi proposto nas diretrizes do Plano de Governo Lula-Alckmin (Batista, 2022), às prioridades apontadas por Feijó, Feil e Teixeira e nos próprios objetivos específicos do programa de trabalho do GT (que pelo escopo deste texto não puderam ser tratados, mas vale muito a pena).
Sobre as alternativas internacionais ou passadas voltadas para a transição produtiva necessária existe uma garbage can gigantesca, e as condições macroeconômicas para que seja possível esta transição estão sendo tratadas em outras ações do governo em discussão no parlamento, como marco fiscal e reforma tributária. Feijó, Feil e Teixeira Renato Dagnino (2023) e Allen Habert (2023) também tem importantes contribuições nesta discussão sobre condicionantes macroeconômicos e consequências nas condições de trabalho. O objetivo neste espaço foi concentrar esforços para que se tenha linhas gerais de como o legislativo está entendendo a Economia Verde e a neoindistrialização, o que significam e quais as principais pretenções destes paradigmas, e acredito que no plano de vôo do Reindustrialização Brasileira no Contexto da Transição Energética e da Descarbonização há bons indícios sobre como o legislativo era reagir ao longo destes 4 anos de governo.
Parece fundamental acompanhar os debates deste GT, entender as diferentes visões em torno da questão aqui exposta, e fortalecer as atenções sobre o que se passa no CEDES, nesta e em outras pautas. O diálogo com o parlamento pautado na capacidade de assimilar suas contribuições em qualquer projeto é a pedra de toque do sistema democrático, acarretando na capacidade de difusão e legitimação das soluções e dos projetos governamentais. Há muito a se aprofundar sobre os trabalhos esboçados neste artigo, pois trata-se de um excelente termômetro sobre o que é possível ser negociado, e uma democracia saudável depende disso.
Referências
ALI, S. H.; PUPPIM DE OLIVEIRA, J. A. (2018). Pollution and economic development: an empirical research review. Environmental Research Letters, v. 13, n. 12, p. 123003, 2018. Disponível em < https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/aaeea7 >, visualizado em 03/08/2023
BATISTA, M.R. (2022). Accountabillity horizontal e governança no projeto de nação ao Programa Lula-Alckmin 2022. Disponível em < https://operamundi.uol.com.br/analise/76072/accountabillity-horizontal-e-governanca-no-projeto-de-nacao-ao-programa-lula-alckmin-2022 >, visualizado em 06/11/2023
BATISTA, M.R. (2023). Uma política para economia digital no país do ‘sinal de fumaça’. Disponível em < https://operamundi.uol.com.br/analise/79258/uma-politica-para-economia-digital-no-pais-do-sinal-de-fumaca >, visualizado em 08/11/2023
CEDES (2023a) Planos de trabalho dos novos estudos: Biênio 2023-2024. Disponível em < https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/arquivos/planos-de-trabaho-dos-novos-estudos-bienio-2023-2024 >, visualizado em 07/11/2023.
CEDES (2023b). Proposta de plano de trabalho: Reindustrializacao brasileira no contexto da transição energética e da descarbonizacao. Disponível em < https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/arquivos/proposta-de-plano-de-trabalho-reindustrializacao-brasileira-no-contexto-da-transicao-energetica-e-da-descarbonizacao >, visualizado em 07/11/2023
DAGNINO, R. (2023). Impasses em torno da ideia de reindustrialização. Disponível em < https://outraspalavras.net/crise-brasileira/impasses-em-torno-da-ideia-de-reindustrializacao/ >, visualizado em 06/11/2023
FEIJÓ, C; FEIL, F; TEIXEIRA, F.A (2023). Neoindustrialização – reindustrialização e transição sustentável. Boletin FINDE, Edição de Maio/Ago de 2023, V.4 Nº 2. p. 3-17.
HABERT, A. (2023). Uma oportunidade histórica: a Coalizão Global pelo Trabalho. Disponível em < https://www.brasil247.com/blog/uma-oportunidade-historica-a-coalizao-global-pelo-trabalho >, visualozado em 06/11/2023
MOURA, R; GUEDES, I (2023). Desindustrialização, Reindustrialização e Neoindustialização: O Governo Lula III e um debate imperativo ao país. Transições Necessárias Economia, Política e Sustentabilidade no Brasil Contemporâneo. Disponível em < http://geep.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2023/09/Relatorio-10.pdf#page=24 >, visualizado em 20/10/2023
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