Imagine um país com inflação de 20% ao mês. Com o quarto ministro da Fazenda em dez meses. E uma história inflacionária crônica de quarenta anos. Não é a Argentina.
Assisti, ontem, um documentário sobre os trinta anos do Plano Real. Gravado na PUC Rio. Berço dos integrantes da equipe que formulou e executou o Plano, nos anos 1980-90. Estavam lá: Pérsio Arida, André Lara Resende, Chico Lopes, Gustavo Franco, Edmar Bacha, Winston Fritsch e Pedro Malan. Rara e única a chance de reunir grupo tão qualificado.
Do ponto de vista econômico, o Real foi uma revolução. Só visível nas tabuletas de preços declinantes de supermercado. E na taxa de aprovação do governo FHC. Que lhe deu reeleição.
Do ponto de vista político, foi uma briga em dois espaços: dentro do governo e no Congresso. Dentro do governo, a luta foi entre a equipe do Plano e o ministro chefe da Casa Civil, de então, Henrique Hargreaves. Mineiro de Juiz de Fora, como o presidente Itamar. Por um triz, ele não atrapalhou o encaminhamento político da proposta.
No Congresso, a disputa foi com o PT. Que sabe, como poucos, exercer o não. Quando o tema não se conforma a suas regras ideológicas. O PT votou contra o Real, como votaria contra a aprovação da Constituição de 1988. Deu dois nãos ao futuro do país.
Do ponto de vista institucional, o Plano patrocinou uma reforma profunda do desenho de instituições federativas. Extinguiu bancos estaduais, estimulou privatização das comunicações, fez reforma monetária com a URV (a moeda transitória que precedeu o Real), fez o acordo da dívida externa, estimulou o rigor fiscal. Na parte da disciplina fiscal, contou com o apoio do então secretário do Tesouro, Murilo Portugal.
Do ponto de vista da história econômica, o Plano Real trouxe um modelo e um exemplo. Um modelo de gestão no qual as políticas fiscal e monetária funcionam harmonicamente. E suportadas por uma base orçamentária limpa. Saudável. Superavitária.
O exemplo legado pelo Plano se refere à articulação entre o político e o técnico. Na qual as duas partes fizeram esforço de compreensão. E de conciliação de posições. Sem perda do núcleo essencial da proposta. E, no verbo conciliar, o papel de liderança de dois personagens: Mario Covas e FHC. Para Edmar Bacha, ex-presidente do IBGE, “Covas foi o mais impressionante político que conheci”.
Nos seus depoimentos, os sete ases do Plano Real acentuaram pontos importantes. Para Pérsio Arida, a confiança, que se instalou entre os membros da equipe, foi fundamental para o êxito do projeto. Para Lara Resende, o combate à ideia do gradualismo (seria possível conviver com a inflação) foi estratégica.
Para Pedro Malan, ministro da Fazenda durante os oito anos dos dois mandatos de FHC, foi importante reconhecer um fato: era preciso urgência na implantação do Plano. E, ao mesmo tempo, assegurar o deslanche do Programa de Ação Imediata, com visão de médio prazo.
Ao assistir o documentário, me vi admirando os perfis daqueles sete professores da PUC. Sete gestores públicos, sete ases. Hoje, de cabelos brancos e alma leve. Convictos de que fizeram o que era melhor para a economia brasileira.
O mais bem-humorado e o mais moço, talvez o mais brilhante, é Gustavo Franco. Salpicou piadas na sua fala. Falou que Brasília é o reino dos U: AGU, TCU, DPU. Acrescentou que existe o Estado Democrático de Direito. Mas, onde está o Estado Democrático da Economia? E, ele mesmo responde; “Porque sem advogado não se faz plano, não se faz nada”.
Agora, você, caro leitor, pode indagar: muito bem, sete ases. E onde está o coringa? Ah, este você descobre.
Excelente e oportuna crônica, amigo Luiz Otávio.
Meus cumprimentos!