O que é, afinal, o mercado a que se referem os economistas quando analisam as flutuações da conjuntura econômica? Quem é este mercado que tem humor, às vezes nervoso, outras, mais otimista, segundo os comentaristas econômicos? Ou ainda, que parece ter vontade e desejos, como fala o presidente Lula da Silva? “O mercado – falou Lula recentemente – é um dinossauro voraz. Ele quer tudo para ele e nada para o povo. Será que o mercado não tem pena das pessoas que passam fome?”. Para Lula, o mercado tem vontade e, além do mais, é perverso: “Mercado sempre precifica desgraça, sempre trabalhando para não dar certo, sempre torcendo para as coisas serem pior”. Mas, afinal, quem é (ou o que é) este mercado atacado pelo presidente? O presidente sempre trata o mercado como se fosse uma pessoa ou entidade poderosa e voluntarista, com interesses próprios e que, além do mais, não têm sensibilidade social e é inimigo do seu governo e do Brasil.
Não presidente, o mercado não tem vontade própria e, portanto, não pode ter sensibilidade social, nem orientação política, menos ainda, o desejo de fracasso do Brasil, até porque os agentes econômicos ganham, quando o país cresce. O mercado, qualquer mercado, é a síntese da relação que se estabelece entre muitos vendedores e vários compradores com a expectativa de adquirir produtos diversos com algum poder de compra. Pode ser a feira do bairro ou o mercado financeiro. A grande diferença decorre do produto que é negociado, o que não é nada trivial. No mercado financeiro, o produto não são frutas e verduras, são ativos financeiros. E o que é isso? São ações de empresas, títulos da dívida pública, Certificados de Depósitos, contratos futuros de commodities e moedas estrangeiras. Esta característica do produto muda tudo. Os tipos de ativos financeiros têm qualidades diferentes, em possibilidade de rendimento, em prazo e em risco, mas todos se reduzem a uma única unidade (real ou dólar) intercambiáveis entre si. Estes ativos têm valor porque correspondem a poupanças acumuladas por milhões de pessoas, que podem ser transferidas para os milhares de investidores que demandam financiamento para os seus projetos. Milhões de pessoas dos dois lados do “balcão”, que se encontram na bolsa de valores, mediados por bancos e fundos de investimento, negociando poupanças e ativos.
E como os negócios dos ativos sociais estão sempre voltados para as expectativas de um retorno futuro, as cotações são muito sensíveis ao que os agentes econômicos (compradores e vendedores dos ativos) esperam do comportamento da economia e dos diferentes ativos. Os que compram os ativos não pretendem (nem podem) consumi-los e o pagamento é sempre um resultado futuro esperado pela alocação da sua poupança (dividendos, juros, variação cambial, etc.). Desta forma, é um mercado muito sensível às decisões de política econômica e às falas rabugentas do presidente, com seus prováveis desdobramentos sobre os negócios. Além disso, se trata de um produto altamente volátil, com ativos intercambiáveis, que mudam de posse com a agilidade de um clique no computador, e com espaço para especulação nos negócios. Como em todo o mercado, o “monstro voraz” convive com muita especulação facilitada pelo tipo de produto que negocia, ativos financeiros voláteis e de resultado incerto.
O mercado é esta síntese complexa de múltiplas negociações dos ativos financeiros, milhões de agentes econômicos negociando bilhões de reais em ações, títulos e moedas, não é uma pessoa ou entidade com vontade e interesses próprios. Portanto, não tem vontade própria, não pode ter a sensibilidade social cobrada por Lula e não torcem pelo fracasso da economia brasileira. Quem tem que promover o crescimento econômico e, principalmente, o bem-estar da sociedade são os governos com os investimentos públicos. Ou seja, Lula e o seu governo e, não, essa criatura que chamam de mercado. Viabilizando os investimentos privados e financiando o próprio governo com aquisição dos seus títulos da dívida, o mercado contribui para a geração de emprego e renda e para a receita pública que financia as políticas sociais. Se o governo não atrapalhar, provocando incerteza e instabilidade, o mercado flui e gera os resultados. O resto é discurso populista e enganador do presidente, inventando um inimigo abstrato para responsabilizar pelas dificuldades da economia.
Muito bem colocado, mestre Sérgio. Poderíamos agregar ainda que parte dos agentes econômicos, os que vendem ou compram ativos, cumprem regras de compliance rigorosas, para garantir a preservação do capital dos seus clientes. Clientes esses que podem ser trabalhadores que recolhem um pouco do seu salário mensalmente para compor uma aposentadoria complementar. Ao agredir o mercado, o presidente está também agredindo aqueles que financiam a expansão fiscal. Ou seja, se o presidente não gosta do mercado, deveria se esforçar para não precisar do dinheiro desse mercado para gastar como acha mais conveniente.
Uma aula límpida e clara de Sérgio C. Buarque. Parece que de vez em quando o Ministro Fernando Haddad tenta explicar uma ou outra coisa elementar de economia ao Presidente, que então recua um pouco da batalha contra seus “moinhos de vento”. Quanto durará a trégua dos três últimos dias? Será que ele entendeu mesmo que o gasto continua gasto mesmo que ele o denomine de alguma outra coisa?