Ex-Presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE); membro da Academia Pernambucana de Ciências

Papa Francisco e Clóvis Cavalcanti
Nunca imaginei que iria ter a oportunidade de conversar com um papa no Vaticano. Conversar, e não simplesmente ver Sua Santidade. Pois isso aconteceu no dia 23 de novembro de 2016. Desde que li a encíclica papal Laudato Si’, logo que ela foi publicada em maio de 2015, senti o desejo de colaborar com o Vaticano na difusão e aplicação dos ensinamentos nela contidos. É que o texto do Papa Francisco contém a essência da área científica a que tenho dedicado meus esforços desde meados dos anos 1980 – a economia ecológica. O que é isso? Uma nova visão de mundo, um novo paradigma que vê o sistema econômico como uma parte do grande todo que é o ecossistema global. Trata-se, na verdade, de uma disciplina que não se enquadra dentro da moldura da ciência econômica convencional: ela não é um ramo daquilo que os economistas estudam, cujo modelo do sistema econômico corresponde a o que a física classifica de sistema isolado. Para os economistas ecológicos, ao contrário, o sistema econômico constitui um sistema aberto (existem ainda os sistemas fechados), com entradas e saídas de matéria e energia, sob o regime da implacável Segunda Lei da Termodinâmica, a da Entropia.
Na encíclica Laudato Si’, que completa dez anos agora em maio, o raciocínio se desenvolve inteiramente no âmbito do pensamento econômico-ecológico, cujas bases podem ser encontradas no livro seminal de Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), The Entropy Law and the Economic Process (de 1971). É esse pensamento que deu origem à Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE, sigla em inglês), criada em 1987 e para cuja presidência fui eleito em janeiro de 2016. Nessa minha condição, desde que me lançaram candidato, propus que deveríamos nos aproximar do Sumo Pontífice. Houve discussão sobre as implicações desse envolvimento, natural numa organização científica que congrega pesquisadores de origens religiosas diversas, além de ateus. Mas, no fim, por unanimidade, minha proposta foi aprovada. E eu tratei de buscar o encontro com o Papa Francisco. Graças a amigos argentinos, cheguei a seu secretário particular, o padre Fabián Padocchio.
Assim, no dia 23 de novembro de 2016, o Papa Francisco me recebeu, Fui (nosso grupo podia ter até 5 pessoas) com Vera, minha mulher, e o estrategista eco-social Stuart Scott, um judeu americano com histórico de trabalho em Wall Street, e membro atuante da ISEE. No dia da audiência, recebemos um convite (branco), que nos colocava no meio de uma platéia de 800 pessoas. Na entrada, ele foi trocado por um verde, o qual nos punha entre cerca de 100 religiosos do evento. Já nesse grupo, alguém do protocolo nos disse que nosso convite seria o amarelo, o das 25 pessoas que falariam com o Papa. Assim, nos sentamos na primeira fila de cadeiras. Para ela Francisco se dirigiu ao fim de orações e leituras do Evangelho em várias línguas. Meu número de assento era o 9; o de Vera, o 8 (Stuart era o 12). Enquanto Vera beijava o anel do Santo Padre, fui direto à conversa. Quando me apresentei como presidente da ISEE, Francisco quis saber o que era economia ecológica. Expliquei e disse: “Sua encíclica é um documento dela. Documento magistral”. Falamos o suficiente para um acerto de perspectivas e início de cooperação, cooperação que subsiste ainda hoje. Francisco segurava a mão de Vera enquanto ele e eu falávamos, o que impediu Vera de acionar logo seu celular para fotos e filmagem. Mas tudo ficou registrado pelo serviço fotográfico do Vaticano (Osservatore Romano). Mais que isso, o Papa e eu iniciamos aquilo que eu buscava: entendimento entre a ISEE e a Santa Sé. Desse entendimento resultou que a ISEE tem um associado que trabalha no setor responsável pela Laudato Si’, sem ônus para a Santa Sé. Para mim, mais tarde, parecia que eu conseguira o impossível. Um sonho.
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