
Papa Francisco
O lançamento da carta encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, “sobre o cuidado da casa comum”, faz dez anos neste 24 de maio. Para mim, esse é um documento profundo, de grande significado. Um chamamento à responsabilidade humana perante um planeta conspurcado pela prevalência do interesse econômico e, sobretudo, do dinheiro, com relação aos valores humanos, sociais e ecológicos que deveriam ter primazia. Infelizmente, muito pouco lido – menos ainda com a atenção aguçada de que é merecedor. No documento, diz o Papa, referindo-se à Terra, “nossa casa comum”: “Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la”. Acrescenta: “Esquecemo-nos de que nós mesmos somos Terra”. Em virtude disso, chegou-se à situação de possibilidade de uma “catástrofe ecológica sob o efeito da explosão da civilização industrial”, o que implica a “necessidade urgente de uma mudança radical no comportamento da humanidade”. Para fazer isso, no ver do Sumo Pontífice, “Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades”.
Considerando, corretamente, que o “clima é um bem comum, um bem de todos e para todos”, a encíclica refere-se a sua natureza de sistema complexo, que tem a ver com muitas condições essenciais para a vida humana. Observa que há consenso científico, muito consistente, indicando que estamos perante preocupante aquecimento da atmosfera. “Nas últimas décadas, este aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar, sendo difícil não o relacionar ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos extremos, embora não se possa atribuir uma causa cientificamente determinada a cada fenômeno particular”. Pode-se relacionar tal reflexão à forma como hoje as chuvas e a seca no Nordeste se manifestam de forma inusitada, com dimensões desconhecidas. É inegável o aquecimento global, associado a estilos de vida que produzem alta concentração de gases do efeito-estufa emitidos sobretudo por causa da atividade humana. Isto é particularmente agravado, conforme salienta a Laudato Si’, pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis, que está no centro do sistema energético mundial, juntamente com a prática crescente de mudar a utilização do solo com o desmatamento para fins agrícolas.
Convém mencionar que a encíclica resultou de oficina promovida em maio de 2014, em Roma, pelas Pontifícias Academias de Ciências e das Ciências Sociais, reunindo grandes nomes da ciência mundial, sob a coordenação dos professores Partha Dasgupta (de economia de Cambridge) e Veerabhadran Ramanathan (de ciência do clima, da Universidade da Califórnia em San Diego), ambos não-cristãos. Quis o Papa, além de sua motivação profética, basear-se no melhor conhecimento sobre a matéria. Daí, a força da Laudato Si’, que contém fundamentada crítica do paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, levando a uma, como salienta, “confiança irracional no progresso”. Essa é exatamente a posição de grande parte dos integrantes da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE), para a qual fui eleito presidente em janeiro de 2016. Nesse sentido, esforcei-me para mobilizar o potencial que tem a ISEE para auxiliar o Papa Francisco nos seu propósito de se procurar outras maneiras de entender a economia e a prosperidade, na busca de outro tipo de progresso, mais ecologicamente são, mais humano, mais social, mais integral. Foi assim que conversei com o falecido Pontífice em 23 de novembro de 2016, no Vaticano.
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