Eurico Pincovsky

Era final de janeiro de 2008, pleno inverno francês. Nesse dia ventava bastante. A sensação térmica era baixa. A temperatura regulava entre 5º C e 0 ºC. Parei em uma típica “brasserie” e, sem titubear, “Bonjourvin rouge s’il vous plait”. Arriscando um francês bastante precário, cometi o atrevimento de escolher um “beaujolais”.

Confesso que até hoje não sei se tomei um legítimo, mas tenho a lembrança de ter sido fantástico. Naquele momento estava só. Mas estava no Boulevard Saint-Michel. A mesa, singelamente posicionada na calçada dessa belíssima avenida, não deixava o sentimento de solidão apresentar-se.  Crianças, cachorros, idosos e belas mulheres circulavam freneticamente por aquele local. Era uma agitação interessante e difícil de reportar.

De onde estava sentado, o cenário era tão deslumbrante que o rito do brinde não me ocorreu. Simplesmente, tomei o vinho. Erguendo um pouco a cabeça, avistava-se o Sena. Acompanhando o curso do rio, majestosamente descortinava-se a catedral de Notre-Dame. E ali fiquei, sentado e encantado.

Enquanto tomava o vinho, lembrei-me do sociólogo Gilberto Freire, que certa vez escreveu que a Bahia é a terra de todos os santos e quase todos os pecados. Se ele se referisse à cidade das luzes, seguramente diria que Paris é a terra de todos os encantos e pecados.

Pois bem, essa foi a Paris que conheci e vivi por alguns bons dias. Fria, e ao mesmo tempo latinamente calorosa. Segui fielmente as recomendações do saudoso amigo Geraldo Wanderley. Fiquei hospedado em um hotel simples… mas no Quartier Latin, onde ele irretocavelmente afirmava ser “o miolo da festa da padroeira”.

Onze anos se passaram. Por outras vezes lá estive. E muitas transformações ocorreram. Mas a pior delas, e a mais dolorosa de todas, foi justamente com a Notre-Dame. Construída na Idade das Trevas, o suntuoso monumento gótico ardeu em chamas. Uma floresta de carvalho foi queimada, deixando sucumbir uma de suas belas torres. Impotentes, alguns franceses cantavam La Marseillaise, enquanto outros rezavam. Mas, sem dúvida alguma, o luto não é só francês!

Marchons, marchons! Não se tem tempo a perder. Espero em breve cruzar a Pont de I’Archevêché, e apresentar à minha pequena Bia os encantos da “Île de la Cité”. E levá-la à majestosa Notre-Dame, novamente erguida, bela e imponente.

O poetinha dizia que “a vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros pela vida”. Que esse maldito fogo marque apenas uma fase de desencontros, permitindo fabulosos encontros futuros.  E, como ele mesmo cantou, “a tristeza tem sempre a esperança de um dia não ser mais triste não”!