– Não me arrependo de nada. Quebrei o círculo.
– Nem de ter assassinado uns cinco ou seis ou até mais, D. Eloisa?
– Foi mais, e vou contar tudo. Mas não me arrependo. O que precisava fazer eu fiz. Meus filhos estão criados, educados, formados.
– Mas eles vão visitar a senhora na cadeia. Vai pegar uns 30 anos.
– Se eles vão visitar o túmulo do pai, sem sentir vergonha, não vão sentir vergonha ao me visitarem na cadeia.
– Mas, não podia ser diferente?
– Só se eu tivesse nascido de pai e mãe ricos, e morasse em lugar rico. Como um dia ouvi um político dizer: só se eu tivesse outro CPF e outro CEP.
– Como assim?
– Onde nós vivíamos e o quanto a gente ganhava, eu como doméstica e ele com bicos, não dava para pagar escola boa para os dois filhos. Nem para um. Nem para metade de um.
– Mas a senhora não pensava assim antes. Quando era considerada a melhor empregada que sua patroa já teve. Ela mesma que diz isso.
– Mas tem um dia, sempre tem um dia, doutor, sempre. Eu não sei explicar direito como ele chega, tem um dia que a gente muda tanto que até o verbo mudar – é verbo, não é? – não basta para dizer o que aconteceu.
– E quando foi que mudou?
– Mudou mesmo foi no dia que eu atrasei no preparo dos meninos de D. Lucia e perdi a Kombi que levava eles para a escola. Mas antes eu vinha mudando aos pouquinhos, desde o dia da greve dos professores na escola dos meus dois.
Eu acordava todo dia às 6.30. Fazia suco de laranja do Bernardo e da Fernanda. Levava no quarto de cada um. Só acordavam com suco de laranja. Eles eram muito bonzinhos. Eu amava eles, era apegada. Gostava de fazer serviço para eles.
Enquanto deixava eles sentados na cama, tomando o suco, colocava as roupas deles dobradas na cama e ia fazer o resto do café. Eles já vinham trocados de roupa, com aquela farda linda. Enquanto tomavam café eu ia olhar se a mochila de cada um estava pronta, olhava aqueles livros tão pesados, as réguas e cadernos e outras coisas que eu nem sabia para que serviam.
Depois descia com eles até a calçada para esperar a Kombi que levava eles para a escola. Eu subia de volta para a cozinha pelo elevador de serviço.
Um dia, quando eu ia subindo, me passou pela cabeça a lembrança estranha de que os meus filhos, Inácio e Geovana, estavam em casa, sem suco de laranja, nem escola por causa da greve dos professores.
Eu nunca tinha pensado nisso antes. Era como se Bernardo e Fernanda fossem de um mundo diferente do mundo de Inácio e Geovana. Para mim, até aquele dia, uma coisa era uma coisa e outra coisa era outra coisa. Os filhos de D. Lucia eram uma coisa e os meus eram outra coisa.
Mas naquele dia me perguntei o porquê da diferença. Em vez de ir direto ao fogão, sentei na cadeira. Tomei o resto do café que os meninos tinham deixado nos canecos que usavam e pensei pela primeira vez em uma estranha palavra: injustiça com meus filhos. Foi a primeira vez que esta palavra passou pela minha cabeça. E não saiu mais. Virou uma mania. Como estas músicas que as vezes não saem da cabeça da gente: “Por que meus filhos não têm o mesmo?”
Todo dia eu fazia as mesmas coisas de antes. Com o mesmo cuidado, posso dizer. Com o mesmo carinho que tinha por aqueles dois anjinhos tão bonitos e queridos. Até hoje eu ainda gosto deles quando me lembro. Um desses dias vi uma foto da Fernanda no jornal, ficou uma moça linda. Eu pensei: ”ajudei a fazer essa menina”. Estava sobre um cavalo. Era a famosa equitação para onde ela ia de tarde com uma roupa bem engraçada e que depois daquele dia passou a me incomodar porque eu pensava que o meu Inácio gostaria de montar em um cavalo daqueles, e ele estava era sem aula, na rua, brincando com pivetes que não eram boa companhia. E Geovana, o que estaria fazendo, com aquele pai distraído que tinha?
– Mas a greve terminou, D. Eloisa.
– Terminou depois de dois meses. O senhor sabe o que são dois meses sem aula? E sabe o que é subir dois meses pelo elevador de serviços pensando que os filhos estão sem escola, passando a infância na rua, enquanto aqueles outros meninos estavam na Kombi indo para aula, ginástica, inglês, francês, natação, montar a cavalo?
Estou certa que o senhor não sabe.
Pois eu sei. E foi isso que mudou minha vida, me trouxe para esta situação. Vai me botar 30 anos de cana, como o senhor disse. Mas não me arrependo. Quando a greve terminou, e meu marido até me ligou dizendo, a minha cabeça continuou descontente. Eles já estavam de volta na escola, mas naquela escola. Que escola, doutor? Eu tinha ido um dia na escola onde estudavam Bernardo e Fernanda, a D. Lucia me levou para ver a festa deles. E tinha ido também um sábado na escola de Inácio e Geovana. Dá para chamar aquelas duas coisas pelo mesmo nome de escola?
– Mas isso não justifica você fazer o que fez: matar gente! Ficar 30 anos na cadeia. Porque este é seu destino. Desta você não escapa. Temos todas as provas.
– Nem vou ficar tanto tempo. Eu vou morrer antes. Mas, sinceramente, justifica. Até porque quando vierem me visitar, meus netos virão em um uniforme bonito de escola. E vão me dizer o que estão aprendendo. Vão falar em língua estrangeira que eu não vou entender, mas vou achar uma gracinha eles falando.
– Conte para gente: quando terminou a greve, porque você não ficou tranquila e voltou a ser o que sempre foi. Uma boa empregada?
– Quando a greve acabou eu sabia que meus filhos estavam na escola, mas comecei a subir no elevador de serviço pensando na diferença entre a escola deles e a dos meninos que eu cuidava. Pensava na cara risonha do professor, na ginástica, no inglês, na natação. O senhor sabia que estes meninos ricos de hoje estudam até a língua que se fala na China? E os meus não aprendiam nem mesmo a língua da gente. Era o dia inteiro eu preparando os meninos da D. Lúcia para aprenderem coisas e terem reforço e irem ao psicólogo quando não estavam se comportando bem. E os meus? Os meus, nada. Nadinha de nada. Era isso que não me saia da cabeça. Também lembrava que eu ia até a Kombi, me despedia deles, recebia até beijo, e os meus nada, eu nem via quando eles iam para aquilo que chamavam de escola. Era isso que não saia de minha cabeça.
Aí um dia, talvez por esta minha cabeça meio doente de raiva, sofri um acidente. Pela primeira vez na vida atrasei um pouco acordar e os meninos perderam a Kombi por minha causa. Subi com eles de volta, bati na porta do quarto de D. Lucia, ela acordou primeiro assustada, depois, quando viu o motivo, ficou furiosa. Descontrolada. Enquanto dizia ao Dr. Marcelo o que tinha acontecido, me chamando “desta imbecil da Eloisa”, mudou a roupa em dois minutos e correndo pelo corredor, dizendo tudo que podia contra mim por causa do meu descuido, entrou no elevador social puxando os meninos, coitadinhos, sem entender direito o que acontecia.
Eu fui ajudar. Fui até a garagem. Amarrei os cintos deles. Eu ainda pedi para ir com ela, mas saiu como uma desesperada. Eu fiquei sem o beijo dos meninos e subi pelo elevador de serviço para o meu quarto, sentindo uma tristeza maior do que devia ser a tristeza que eu sentia por ter errado e pelo medo de perder o emprego e pelo medo de quando ela chegar o que ia me dizer.
Foi aí que senti o porquê da tristeza tão grande: aquela mãe rica saia desesperada correndo o risco de bater com o carro que ela gostava tanto, só para que os filhos dela não chegassem atrasados nem um minuto, e eu tinha há pouco tempo assistido meus filhos ficarem dois meses sem aulas, por causa da greve, sem nada fazer por eles. Foi aí que senti pela primeira vez que eu não era uma boa mãe. Eu era melhor para os filhos da minha patroa do que para os meus próprios filhos. Sentei na minha cama, pensei um pouco, olhei ao redor, vi minha malinha e fiz a maior mudança de minha vida. Juntei minhas coisas, fiz o café, esperei D. Lucia e pedi minhas contas. Ela ainda pediu desculpas pelos gritos que tinha dado. Disse que chegou na escola ainda antes da Kombi. Que eu não me preocupasse. Que os meninos ficaram olhando para trás e pediram a ela para parar porque queriam me dar um beijo. Que isso acontece na vida. Tinha sido a primeira. Pediu desculpas de novo. Disse que daria aumento. Que eu não a deixasse desse jeito.
Eu disse que não estava com raiva. Que ela tinha razão de ficar com raiva, disse que adorava os meninos, que tinha aprendido muito com ela na cozinha. Mas, eu disse, e ela arregalou os olhos, que o que eu mais tinha aprendido com ela foi ficar desesperada porque os filhos iam chegar atrasados na escola. Ela ficou calada e eu continuei. Contei que a escola de meus filhos tinha ficado dois meses em greve e eu nada fizera, continuei cuidando do Bernardo e da Fernanda. Eu disse que não queria mais meus filhos em escola com greve. E que queria uma escola bonita como a dos filhos dela. E queria que estudassem inglês e fizessem ginástica e tudo mais que eu via nos filhos dela quando eu os preparava para sair.
Ela me olhou como se nunca antes me tivesse visto. Como se eu não existisse. Fosse um vidro, doido. Pareceu que ela nunca tinha me escutado falar do Inácio e da Geovana. Ela não disse nada. Acho que pensou que eu tinha ficado doida. Que história era essa de empregada querer uma boa escola para o filho? Isso era impossível. Contra a natureza. Como matar gente, que você, delegado, diz que é crime. Não sei também se ela chegou a fazer as contas de quanto precisava me pagar para que eu pagasse boa escola para meus filhos. Se fez estas contas viu que nem o salário dela e o do marido dariam para isso.
Fui embora. Deixei-a triste e preocupada, e com raiva também. Como é que eu a deixava desse jeito? Podia dar um tempo, pensar um pouco mais. Ficar sem salário era pior para meus filhos! Eu não esperei. Não queria ver o Dr. Marcelo. Mesmo com raiva, ela me deu um salário extra e ficou chorando. Eu vi. D. Lúcia foi uma boa patroa. O mundo é que era ruim. E a mim cabia consertá-lo. Como eu fiz. Mesmo que custe os trinta anos que o senhor falou.
Fui embora. Ela não sabia que eu não ia ficar sem emprego. Já tinha decidido o que fazer. E sabia que ia dar para pagar a melhor escola para meus dois filhos. E o inglês e a natação e tudo mais.
Desci do ônibus e passei em frente ao bar do Joaquim. Antonio, meu marido, aquele que você, delegado, chama de meu cúmplice, estava lá, como sempre, na espera que aparecesse um bico. Quando me viu com a maleta, fechou a cara. Foi até mim, pegou minha maleta e perguntou que burrada eu tinha feito.
Fui calada até em casa. Ele reclamando, querendo saber o que tinha acontecido e eu só pensando. Tudo já decidido. Acho que pensei até o dia em que estaria aqui, hoje, na sua frente. Presa.
Quando cheguei em casa, sentei na cama, olhando para o chão que estava com um buraco que eu não tinha visto antes; Disse: “Não aguentei mais vestir menino rico para estudar enquanto os da gente ficam sem estudo.” Ele disse, espantado: “Mas os meninos estão na escola. Estão até com aula outra vez.”
Respondi de um jeito que ele deve ter pensado que eu tinha ficado doida varrida: “E isso é lá escola? E o inglês e a ginástica, a natação, o reforço de matemática? E a aula o ano inteiro. Sem greve e com professor contente?
Ele se afastou de mim, chega bateu com as costas na parede, e disse, com um olhar estranho: “Tá doida.” Eu disse: “Tou decidida. Nossos meninos não vão seguir o caminho da gente, enquanto os de D. Lucia e Dr. Marcelo seguem o caminho dos pais deles. Meus filhos vão estudar como filhos de rico.”
Ele disse: “E tu vai assaltar banco!”
Respondi: “Garanto ao senhor que não tinha pensado nisso. Mas pensei coisa mais fácil e mais próxima da gente. Vou trabalhar para Zeca Boca de Fogo.”
Ele disse: “Estás completamente maluca. Aquilo é crime, tráfico é coisa de bandido. Não vou entrar nessa. Nem deixar você entrar.”
É crime, mas vou ganhar dinheiro para meus meninos estudarem. Crime maior é cuidar dos filhos dos outros e não dos da gente. Nada é crime se for para dar educação, escola boa. E se for, que seja, Não quero saber se o dinheiro vem de granfino que quer cheirar coca, eu quero é saber se da coca consigo dar escola aos meninos. Com direito até para equitação. Se tu quer vir comigo, tudo bem, se não vou sozinha.”
Doutor, eu acho que ele já vinha pensando em trabalhar para o Zeca Boca de Fogo. Só não tinha coragem, nem pensava usar o dinheiro para pagar escola.
Ainda naquela tarde passamos na casa de D. Marilda, a mãe do Zeca, nossa vizinha e até amiga. Disse que queria falar com o filho dela. Ela perguntou: “Vocês têm certeza?” Dissemos: “Sim.” E aquilo mudou a vida da gente e de nossos filhos, e de nossos netos e bisnetos, de toda a família daqui para frente.
Ele estava em casa. Falei para ele que nas festas da casa onde eu tinha trabalhado, tinha visto gente fumando maconha. E alguns cheirando. Diga-se, para bem da verdade, que nunca vi D. Lucia, nem Dr. Marcelo chegando perto de droga. Eram os convidados. Mas eles sabiam, lá isso sabiam. E disse que eu sabia as casas onde moravam muitos deles.
Boca fez umas perguntas, depois levou a gente no carro bacana dele para ver as casas onde moravam os amigos de D. Lucia. Ele disse que ia levantar a rotina deles, falar com porteiros, depois iria colocar uns portadores para se aproximar com a droga. Era assim que fazia, ele disse. Ele mostrou que sabia como fazer, disse que era o “nourral”. Sabe como é. Eu pensava que se escrevia de um jeito e só depois descobri que é de outro jeito. Meus filhos já aprenderam a escrever certo em inglês desde o começo.
Boca começou a ganhar dinheiro com os amigos de D. Lucia que eu indiquei, e a dividir com a gente parte dos ganhos dele. E gostou de mim também. Um dia até me disse que se eu não fosse casada ele ia querer dormir comigo. Eu só ri. Era um bom homem, ainda que muito mulherengo. Mas isso não é crime, é só sem-vergonhice. Como ganhar dinheiro para pagar a escola dos filhos da gente com o nariz de granfino rico também não deveria ser crime, nem mesmo sem-vergonhice, ao contrário, isso que é ter vergonha na cara.
Ele não merecia receber aquelas balas. A mãe dele ficou desesperada. Eu fiquei com medo. Mas vi que, assumindo o serviço que ele fazia e que eu já tinha aprendido, eu podia ganhar mais do que ele me dava, usando os mesmos portadores para os clientes que eu tinha conseguido e os outros que ele tinha e me mostrava no caderninho que guardava com tanto cuidado, mas me mostrou um dia.
Aos poucos fui aumentando minha clientela. Aumentei tanto, que passei da fronteira do Boca e um dia uma moto parou ao meu lado, no carro que eu já tinha, e disse que tinha recebido ordem de me matar. Mas se eu pagasse mais ele ficaria quieto. Eu sabia que ele estava mentindo. Queria pegar meu dinheiro, me matar e depois receber mais dinheiro do chefe dele.
Falei com Antonio que a gente não podia parar. Os meninos já estavam em uma escola de granfinos, estudando tudo que todo mundo devia ter direito. A gente já pensava até em mandar eles para a Suiça. Ouvi que lá estão as melhores escolas. E iam ficar protegidos de meus concorrentes.
Não podíamos parar e só tinha um jeito. Foi assim que matei o primeiro. Era ele ou eu junto com o Antonio, os meninos abandonados, levados para orfanato. A gente não matou o moleque da moto, matou o mandante e ainda ficou com a melhor clientela e com os portadores dele. Foi assim que começou nosso império. E meus filhos passaram a ter os estudos que eu desejei naqueles dias em que preparava Bernardo e Fernanda. Quebrei a cadeia que amarrava o destino deles ao mesmo meu.
Doutor, eu matei ainda outros, mas com a droga que enfiava no nariz dos ricos, consegui enfiar conhecimento na cabeça de meus meninos. Comprei o melhor ouro do mundo para eles. Se precisei matar, matei, sobretudo porque eu matava ou morria. Como morreu o meu Antonio por um descuido da gente. Todo negócio exige umas tarefas. O meu exigia matar.
Quando consegui ganhar um bom dinheiro, e vi que um dia minha sorte acabava, fiz um depósito com um doleiro que tinha ficado amigo, e mandei os meninos para a Suiça. Nesse dia, lembrei de como D. Lucia olhou para mim achando que eu tava maluca, por querer dar aos meus filhos uma educação igual a dos filhos dela. Eu estou presa, o senhor me condenando, mas a educação dos filhos dela é fichinha junto da educação dos meus.
A diferença é que ela fez e continua solta. Vai receber os netos na sala de jantar e eu na cela da cadeia. É só a diferença. No mais, nós ficamos iguais. Porque eu quebrei o círculo.
Cristóvão,
Sempre vou te admirar pela luta pela educação. Mas lutemos pelas escolas municipais e estaduais de qualidade. Seu texto incensa o mercantilismo!
Abraços,
Eliane, respondi seu comentário mas ele saiu em outra parte.
Como cidadão Luto todo dia pelo que você considera o certo. Mas como escritor não escolho o destino da personagem. A Eloisa é um produto do neoliberalismo. Quer solução individual para seu problema. Não acredita, talvez nunca tenha escutado falar em saída política para todos. E é capaz de qualquer vilania para resolver seu problema e subir na vida. Ela pelo menos cometeu crimes visando educar os filhos, outros cometem crime para enriquecer e dar um carro veloz ao filho que termina matando gente no trânsito. Lembra desse caso? Grande abraço cristovam
El texto de Cristovam Buarque no tiene comentarios, presenta las palabras y el pensamiento de Eloisa, y eso es suficiente para que cada quien piense lo que quiera. Nos brinda material para pensar, no para endiosar a policías o a criminales, Buarque no justifica a Eloisa ni a Lucía, ni tampoco a Zeca. En cambio, nos muestra un trozo del mundo difícil, complicado, en que las personas son “buenas” y “malas” al mismo tiempo, como en un universo regido por la incertidumbre y no por el determinismo clásico. Excelente texto.
Roberto, gostei muito de sua percepção do conto e da visão da Eloisa. Cristovam
Vejo o texto do meu amigo Cristovam como um conto comovedor, de grande qualidade literária, abordando uma realidade dolorosa de nosso país. Mas o Senador é político, antes de tudo. Um excelente político, aliás, patrocinador de causas nobres, como a da valorização da educação no Brasil. E como tal, na minha modesta opinião, deveria pensar em possíveis consequências do seu escrito. Como ambos sabemos que o quadro pintado no conto não vai mudar facilmente, num passe de mágica, o relato, até pela sua eloquência, pode ser entendido como um aval para o recurso às ações individuais e ao crime. E ambos sabemos também que o individualismo e o crime não são o caminho para a solução das iniquidades do nosso meio social. Deixo o problema à reflexão do autor do texto, e dos leitores da Revista Será.
Clemente, você tem razão, mas isso é o que diziam de contos e romances que incentivavam invasão de terras em tempos passados. Ou fazer atos revolucionários. Recebi sugestões de diversas pessoas, inclusive da Gladys, minha mulher que nada tem de conservadora nem acomodada, de que não deveria publicar porque me acusariam de incentivo ao tráfico. Mas, quando a gente escreve literatura a gente “pensa” apenas em relatar um fato e não tem o direito de censurar-se, ou por medo não publicar. Por isso mandei para a Será?. Quanto ao incentivo a crime lembro que o conto começa com a Eloisa condenada a trinta anos. O crime não compensou legalmente embora tenha compensado para ela existenvialmente por sua responsabilidade com o futuro. Foi bom ler sua crítica, cristovam
Eliane, faço todos dias este exercício político de como organizar a educação. Na minha visão pela Federalização. No caso do conto, eu não podia. Falar pela Eloisa. Nem escolher o caminho arriscado e criminoso que ela seguiu, em um mundo liberal e perverso procurando resolver o SEU problema pelo crime, sem consciência social e sem moral oficial. Você percebeu, ao contradizer, que este é um conto dos tempos da violência neoliberalismo, sem as visões das revoluções que tínhamos no passado. Obrigado por ter percebido e manifestado seu desacordo. Cristovam
Cristovam, sinto-me prestigiado com o seu atencioso retorno, com o qual concordo, no plano geral Ocorre apenas que, para o público, é difícil distinguir o político (ainda mais, senador) do escritor de ficção.
Mas faço ainda uma ressalva. Não me parece correta a comparação de um “crime” social, a invasão de terras por camponeses, com os ilícitos penais clássicos do tráfico de drogas e da formação de quadrilha. Mesmo lembrando que a organização clandestina a que estive ligado na minha juventude (o velho PCB) nunca tenha dado a “palavra de ordem” da invasão de terras (a linha era de chegar ao poder pelas urnas, e defender os direitos elementares dos operários e camponeses) não coloco as duas ações no mesmo plano. Isso seria como se você me visse vestindo a camisa dos “reacionários” – expressão daquela época – o que não seria justo com o seu velho amigo.
Tem razão quanto a diferença entre um político incentivar invasão de terra improdutiva e incentivar tráfico de drogas, seja qual for o resultado esperado. Aliás, dizem que as FARC fazem isso para financiar a revolução na Colômbia e degradar a juventude norte americana, e está estratégia não parece uma prática recomendável.
Mas, o escritor não controla seu personagem. Se fizer isso fica panfletário, misturando uma obra de arte com uma mensagem política. A crítica correta seria dizer: então escolha, escreva conto ou mantenha o mandato. Talvez seja essa a escolha, mas o mandato tem prazo de validade, a literatura não tem.
Cristovam sempre surpreende! Essa história que vai em ciclos guarda um final que não é esperado, componente essencial de um bom conto. Assim como em Astrícia, o fim volta ao começo e o começo é explicado durante vários retornos. Esse professor , sim, ele é antes de tudo um professor, mostra que a escrita pode ser criativa e livre para exprimir os pensamentos mais íntimos. Parabéns!
Fernanda, bom receber seu comentário lembrando de Astrícia. Cristovam
Cristovam, mantenha o mandato, você, afinal, é melhor político do que escritor de ficção. E o Brasil precisa mais de bons políticos do que de escritores.
Sou admirador de Cristovam, nem lembro desde quando. Sou professor da rede pública há apenas quatro anos, mas posso dizer, com alguma propriedade, que o ensino público, mesmo após exaustivas reformas nas últimas décadas, segue formando cidadãos para o nada. O mesmo “nada” de que falou Manoel de Barros em sua intrigante obra poética. É claro que Eloisa foi egoísta, é evidente que tentou resolver, a nível individual e com certo egoísmo, um problema que é coletivo, e o pior: entregando-se ao crime. Contudo, não foi a primeira e nem será a última personagem que abandona a retidão ética e moral para satisfazer seus desejos e atender às suas necessidades. Poderíamos ficar horas citando exemplos literários de personagens cuja moral tornou-se duvidosa em face de força maior. E isso não é apologia à criminalidade. Ao contrário: a visão extremista do entregar-se ao crime opera como “choque”, como um grito de alerta de um povo que clama por algo que não lhe é mais do que direito. A escola naturalista talvez seja a melhor expressão de que, quando a necessidade aperta, o ser humano esquece da retidão e se animaliza, não importando o preço a pagar. É triste, é revoltante, mas é humano. Que os demais políticos tenham a mesma sensibilidade do Cristovam, e que pensem em uma educação que busque a excelência, e não apenas números.
Obrigado, Agostinho.
Sempre admirei Cristovam Buarque.
Até trabalhei em seu governo no DF como assessora de Arlete Sampaio.
Tenho um enorme orgulho disso. Sempre disse que, independente de partido, o cidadão Cristovam sempre teria meu voto. Continuo, agora, com a mesma posição, só que mais firme.
Fiquei encantada com o texto. Alguns podem achar que é incentivo ao tráfico ou uma visão mercantilista da educação e outros ainda podem achar que é surreal.
Amei o “quebrei o circulo doutor”, na minha opinião, ou na minha maneira de interpretar, fica a clareza que a sociedade esta presa ao circulo que determina o destino de cada um, segundo seu CPF e CEP, segundo seus antepassados e outros fatores que nos aprisionariam na miséria continua e a condição eterna de servidores. A personagem na sua , seja por ignorância ou inocência, postura escolheu um modo rápido e criminoso para resolver um problema real da única maneira que se pode resolvê-lo, através da educação ela mudou o destino pré determinado dos seus filhos.
Um dia, diante da pergunta de um repórter sobre sua falta de aprovação nas pesquisas Cristovam respondeu: Se educação desse voto, esse país seria outro. – Jamais esqueci ou vou esquecer essa afirmativa.
Minha admiração e repeito a esse homem que não desistu.
Espero que um dia a sociedade brasileira entenda que educação é a única maneira de “quebrar o circulo”.
Marluce, dizem que a gente escreve para agradar a gente que escreve, e de vez em quando agradar um leitor ou leitora, mas raramente é para se emocionar com um comentário, mas foi isso o que senti ao ler o seu. Muito obrigado. Cristovam
Todo o escritor se espelha, em determinados momentos, em suas experiências, vivência e emoções. Quanto ao conteúdo, nosso atual mundo sobre a crise do dualismo, não uma crise fruto do pensar e repensar, mas sim de escolhas simples, muitas vezes tomadas a esmo ou por indução. A dualidade atinge pobres e ricos, pessoas cultas e aculturados. O elo comum seja o das ações serem precipitadas quando temos alguma pressão sobre nós ou sobre aqueles para quem temos afeto. Uma mãe é capaz de tudo, no conto e na vida real. Lembro-me das histórias de uma diarista, com um tio policial e um irmão ligado ao tráfico. Para a família essa convivência era normal, e, portanto, aceita. Na vida dura no interior do Brasil, onde as Leis ainda não chegaram, ou o cabra morre ou mata. Se morrer os filhos terão o dever de vingar o pai. Não se elaboram juízos de valor ou méritos nessas questões. São momentos por que passam as famílias, esquecidos nas curvas do caminho, pois a vida segue. O conto é interessante, pois nos faz refletir. Pode significar um momento presente, ou já vivenciado. Não cabe a nós criar juízos sobre os pensamentos alheios. São as experiências bem ou mal vividas que nos fazem nos expressar através de histórias verossímeis ou não. Parabéns.